São Paulo, Segunda-feira, 10 de Julho de 2000
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Parlamentar exige título para cadastrar eleitor

DA REPORTAGEM LOCAL

Ele não é idoso, não tem barbas brancas, não veste roupas vermelhas, não usa trenó. Mas há quem diga que o vereador Alan Lopes (PTB) é o Papai Noel, tal a quantidade de pedidos que ele atende em seu escritório político, no Jardim Miriam (zona sul). São mais de 200 por semana.
Material de construção, cadeira de rodas, jogo de camisa, enxoval, cesta básica, advogado, emprego, vaga em escola, asfalto na rua. Lopes fornece o que for preciso, sem que o eleitor tenha que desembolsar um único centavo.
Para ser cadastrado, só existe uma exigência: não pode esquecer de levar o título de eleitor.
Ansiosa para ganhar novos óculos, a dona-de-casa Maria José de Araújo, 60, explica o motivo da exigência. "Ele tem de saber que nós votamos. O título é uma prova que não mente."
Ela não fica irritada com a exigência: "Ele tem a obrigação de pedir. Se ele dá uma ajuda, a gente tem de ajudar também".
Há outras regras. No último dia 26, a costureira Adelina Garcia Franceschi, 59, visitava o escritório do vereador pela terceira vez para receber seus óculos.
Na primeira, um mês atrás, fez o cadastro. Na segunda visita, foi informada sobre o endereço da ótica. Na terceira, pretendia finalmente receber o presente.
Os óculos já estavam prontos na Ótica Ângela. Mas Adelina só poderia retirá-los com a equipe de assessores de Alan Lopes. O motivo ela não sabe. "Tem de vir até aqui. Acho que deve ser o regulamento. Eu não entrei em detalhes porque já estou ganhando. Eu quero mais é conseguir."
A justificativa do vereador é que o escritório político fica mais perto da sua base eleitoral.
Como uma criança, a costureira rezava, com a Bíblia na mão, para ter seu desejo realizado. "Estou com muita fé. Nem dormi à noite, parecia uma criança que vai ganhar um presente especial."
A mesma Ótica Ângela já fez mais de cem óculos para o vereador de dois meses para cá. Paulo Silas da Silva, irmão do dono do estabelecimento, explica que, para Alan Lopes, o produto sai pela metade do preço (de R$ 60 para R$ 30, em média).
O vereador, porém, garante que não tira nada do seu bolso. "Não gasto nada. Tenho "n" amigos que me ajudam."
Apesar de ter orgulho de seu trabalho assistencial, Lopes afixou cartazes no escritório político sobre a legislação eleitoral informando sobre a proibição de fazer doações em troca de votos.
No dia 26 passado, os pedidos continuavam. A dona-de-casa Fabiana Pinto, 19, grávida de 9 meses, e a estudante Fabiana Águida dos Santos, 18, grávida de 5 meses, tentavam ser beneficiadas pela distribuição de enxoval. Naquele dia, com a presença da reportagem, o vereador afirmou: "Agora não pode mais".
Os cerca de dez funcionários que, segundo ele, recebem uma ajuda de custo, ficarão responsáveis apenas pelo cadastramento da população.
Alan Lopes afirma que a tática, a partir de agora, será a de repassar os produtos para as entidades, que ficarão responsáveis pela doação. "A Lei Eleitoral é rígida. Não faremos distribuição aqui."


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