São Paulo, Segunda-feira, 10 de Julho de 2000
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MOACYR SCLIAR

A prova do amor

 "Amor é detectável por meio de tomografia, dizem pesquisadores britânicos."
Ciência, 6.jul.2000

Quando é que nós vamos casar, perguntava ela, impaciente -e não sem alguma razão: estavam juntos havia cinco anos, e o namorado não se decidia. E não se decidia, segundo alegava, por uma boa razão: não sabia ao certo se a amava. Na verdade, não sabia exatamente o que era amor. Sim, com ela era bom na cama e tudo o mais -mas seria amor mesmo aquilo? Como se comprova objetivamente o amor?
A moça não estava disposta a continuar essa discussão, para ela bizantina. Deu-lhe um ultimato: que resolvesse de uma vez se a amava ou não. O que o deixou consternado. Pensou até em procurar um terapeuta, mas sabia que esse tipo de tratamento não é eficaz a curto prazo. Foi então que leu no jornal a notícia sobre o trabalho dos pesquisadores ingleses. Sim, ali estava a solução para seu problema.
Por meio de um amigo médico, fez contato com os cientistas, oferecendo-se como cobaia. Para sua alegria, eles o aceitaram. E assim, sem nada dizer à namorada, ele tomou o avião e foi para Londres.
O teste foi muito simples. Pediram-lhe que olhasse durante alguns minutos a foto da namorada, que trouxera consigo. Depois disto, fariam uma tomografia para avaliar a atividade cerebral em uma certa área que eles, espirituosamente, denominavam "área do amor". Pediram só algum tempo para discutirem os achados: não queriam cometer erros.
No dia seguinte lá estava ele, ansioso. O cientista que o recebera veio a seu encontro, sorridente: nunca tinham visto tanta atividade na área do amor. O seu cérebro, concluiu, é o retrato da paixão.
Agora seguro quanto a seus sentimentos, ele voltou para o Brasil. Na semana seguinte, casou.
De maneira geral, pode-se dizer que é feliz. Mas às vezes briga com a mulher, às vezes fica com o saco cheio do casamento. E é então que uma dúvida lhe ocorre, uma dúvida cruel para a qual ele não tem resposta, ou não quer encontrar resposta: e se tivessem trocado a tomografia?


O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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