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PASQUALE CIPRO NETO
O boné do presidente
Na semana passada,
posto sobre as madeixas
presidenciais, um boné do MST se
transformou em mote de uma
grande discussão: Sua Excelência
fez bem em vestir o boné?
Além do gesto em si, o que também causou discussão (a julgar
pelas inúmeras mensagens dos
leitores) foi o uso do verbo "vestir". Não foram poucos os que escreveram para perguntar se seria
mesmo esse o verbo adequado.
Vamos logo aos dicionários. O
"Aurélio" diz que uma das acepções de "vestir" é "pôr ou trazer
sobre si (qualquer peça de vestuário)". E "boné" (que vem do francês) é peça de vestuário? Voltemos
ao "Aurélio": "Peça de vestuário
para a cabeça, de copa redonda,
com uma pala sobre os olhos".
Moral da história: se "vestir" é
"pôr ou trazer sobre si qualquer
peça de vestuário" e "boné" é "peça de vestuário", é mais do que
possível "vestir o boné", como se
ouviu ou leu nos meios de comunicação, na semana passada.
O fato é que, sabe Deus por quê,
são comuns alguns "boatos" sobre
o significado e o uso de certas palavras. "Eu não boto nada; quem
bota é galinha", por exemplo, é
um desses tantos "boatos". De
acordo com essa "tese", só as galinhas botam. Será?
As galinhas botam ou põem.
Por que será que as que botam
são chamadas de "poedeiras"? O
termo "poedeira" não é da família de "pôr" (na verdade, da forma antiga de "pôr" -"poer")?
Por acaso "poedeira" não é a "galinha que já põe ou que põe muitos ovos", como diz o "Aurélio"?
Ora bolas, se a galinha é poedeira,
é claro que ela põe (ou bota).
Por falar em "botar", basta ir
aos dicionários para constatar
que muitas das acepções desse
verbo são as mesmas de "pôr". Sobre "botar", minha edição do dicionário de Caldas Aulete (de
1964) diz isto: "Tem as mesmas
acepções que os verbos "deitar" e
"pôr", mas é de uso menos polido".
Aulete dá alguns exemplos, entre
os quais este: "Bote lá as suas contas" (de "Amor de Salvação", de
Camilo Castelo Branco).
O "Houaiss" (lançado em 2001)
dá alguns dos usos de "botar"
("botar água no feijão" é um deles) como típicos do registro informal da língua, o que, "mutatis
mutandis", não é muito diferente
do que diz Aulete.
O outro lado da questão fica por
conta da última edição do "Aurélio" ("Novo Aurélio Século XXI",
de 1999), que atribui a "botar" várias das acepções de "pôr", sem
nenhuma restrição de registro.
São do "Aurélio" estes exemplos:
"Botou as economias no banco";
"Botamos a mesa e jantamos";
"Botou uma loja de eletrodomésticos"; "A criança quis botar o dedo no buraco da fechadura".
Outra palavra que frequenta a
lista das "suspeitas" é "justamente". Há quem diga que ela só pode
ser usada quando equivale a "de
modo justo", "com justiça", "de
acordo com a justiça, com a equidade", como se vê, por exemplo,
em "Sempre agiu justamente".
Não é bem assim. Se um dos
sentidos de "justo" é "exato",
"preciso", por que não se poderia
usar "justamente" com o sentido
de "exatamente", "precisamente"? Sabe Deus! Vejamos o
"Houaiss": "Ele é justamente a
pessoa em quem eu estava pensando para o cargo"; "Justamente
quando íamos desistir, encontramos quem tanto procurávamos".
Bem, voltando ao vestuário
(que não se deve confundir com
"vestiário"), que tal "calçar as luvas"? Pode calçá-las, caro leitor.
Segundo o "Aurélio", "calçar" é
"revestir os pés (de botas, sapatos,
chinelos, meias etc.), as pernas (de
calças ou calções etc.), as mãos
(de luvas)". Como se vê, é bom ter
cuidado com os "boatos". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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