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FAVELAS DO RIO
Antropóloga americana volta, 32 anos depois, a entrevistar moradores e seus filhos; desemprego aumentou
Medo de tiro substitui o de perder casa
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
De uma geração para a outra, a
vida de moradores de favelas do
Rio melhorou no que diz respeito
ao acesso à educação e a bens de
consumo, mas está mais difícil
por causa do desemprego, da falta
de união e da violência.
Essas são as constatações de
uma pesquisa realizada pela antropóloga americana Janice Perlman -32 anos depois de ter vivido por seis meses em favelas cariocas, em 1969, entrevistando
personagens para seu livro, ela
voltou ao Brasil para refazer as
perguntas para os mesmos entrevistados e para seus filhos.
Dos 750 moradores entrevistados em 1969, Perlman conseguiu
localizar 307 desde 2001 (41% do
total). Esse universo não é representativo do total da população
que vive em favelas do Rio, mas é
valioso do ponto de vista da comparação das mudanças ocorridas
de uma geração para a outra.
Perlman tem atualizado e divulgado dados preliminares de seu
estudo (o original deu origem ao
livro "O Mito da Marginalidade").
Os dados mais recentes foram divulgados no seminário "Favela é
Cidade", encerrado ontem no Rio
e organizado pelo Ibase (Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas) e pela Habitat
(agência das Organizações das
Nações Unidas para as cidades).
Os dados mostram que os filhos
dos entrevistados em 1969 têm
muito mais acesso a bens de consumo como televisão (98%), geladeira (98%) e aparelho de som
(88%), além de possuir bens que
não existiam ou que eram de difícil acesso em 1969, como telefone
celular (86%), carro (26%) e computador (22%). Na época da primeira pesquisa, 64% possuíam televisão, 58% tinham geladeira e
apenas 25%, aparelho de som.
O avanço educacional é ainda
mais evidente. Se, em 1969, 95%
dos entrevistados eram analfabetos, hoje a porcentagem entre os
filhos desses moradores é de apenas 6%.
O maior acesso a bens de consumo e à educação, no entanto, não
significa que a vida melhorou em
todos os aspectos.
Perlman comparou as respostas
dos entrevistados de 1969 com as
respostas dos mesmos personagens que conseguiu encontrar
desde 2001. Ela afirma que a violência, a preocupação mais marcante nos dias de hoje, não era um
problema em 1969, quando o
maior medo era ser removido da
favela pela política do poder público de retirar moradores pobres
das áreas nobres e levar para conjuntos no subúrbio da cidade.
Em 1969, apenas 16% dos entrevistados disseram que a violência
era a pior característica do Rio.
Essa porcentagem subiu para
60% entre os que foram entrevistados novamente.
"Em 1969, a violência não era
uma preocupação desses moradores. Hoje, muitos afirmam que
temem morrer por bala perdida,
pela ação da polícia ou dos traficantes", afirma a antropóloga.
A instabilidade no emprego
(medida pela porcentagem de entrevistados que ficaram desempregados por mais de um mês)
era de 31% entre os que participaram da pesquisa em 1969 e é de
65% entre os filhos desses entrevistados.
Desunião
A geração dos filhos também
tem uma percepção maior da falta
de união entre as pessoas de sua
comunidade. Há 35 anos, 54%
dos entrevistados diziam que as
pessoas da favela eram muito unidas, enquanto 21% afirmavam
que faltava união.
Quando fez a mesma pergunta
para os filhos desses moradores,
Perlman percebeu que essa situação se inverteu radicalmente: apenas 6% disseram que havia muita
união e 58% afirmaram que faltava isso nas favelas. Prova disso é
que, entre os pais de 1969, 31%
participavam de associação de
moradores, ante apenas 6% de
seus filhos hoje.
Para a antropóloga, a melhoria
da escolaridade não melhorou a
situação do emprego porque os
avanços nos últimos 35 anos foram insuficientes para acompanhar o aumento da exigência do
mercado de trabalho.
"Há 35 anos, os pais diziam para
os filhos que eles deveriam estudar para não ter que sobreviver da
coleta de lixo. Hoje, um emprego
de gari no Rio de Janeiro, que é
muito concorrido, exige ensino
fundamental completo."
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