São Paulo, sábado, 10 de julho de 2004

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FAVELAS DO RIO

Antropóloga americana volta, 32 anos depois, a entrevistar moradores e seus filhos; desemprego aumentou

Medo de tiro substitui o de perder casa

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

De uma geração para a outra, a vida de moradores de favelas do Rio melhorou no que diz respeito ao acesso à educação e a bens de consumo, mas está mais difícil por causa do desemprego, da falta de união e da violência.
Essas são as constatações de uma pesquisa realizada pela antropóloga americana Janice Perlman -32 anos depois de ter vivido por seis meses em favelas cariocas, em 1969, entrevistando personagens para seu livro, ela voltou ao Brasil para refazer as perguntas para os mesmos entrevistados e para seus filhos.
Dos 750 moradores entrevistados em 1969, Perlman conseguiu localizar 307 desde 2001 (41% do total). Esse universo não é representativo do total da população que vive em favelas do Rio, mas é valioso do ponto de vista da comparação das mudanças ocorridas de uma geração para a outra.
Perlman tem atualizado e divulgado dados preliminares de seu estudo (o original deu origem ao livro "O Mito da Marginalidade"). Os dados mais recentes foram divulgados no seminário "Favela é Cidade", encerrado ontem no Rio e organizado pelo Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e pela Habitat (agência das Organizações das Nações Unidas para as cidades).
Os dados mostram que os filhos dos entrevistados em 1969 têm muito mais acesso a bens de consumo como televisão (98%), geladeira (98%) e aparelho de som (88%), além de possuir bens que não existiam ou que eram de difícil acesso em 1969, como telefone celular (86%), carro (26%) e computador (22%). Na época da primeira pesquisa, 64% possuíam televisão, 58% tinham geladeira e apenas 25%, aparelho de som.
O avanço educacional é ainda mais evidente. Se, em 1969, 95% dos entrevistados eram analfabetos, hoje a porcentagem entre os filhos desses moradores é de apenas 6%.
O maior acesso a bens de consumo e à educação, no entanto, não significa que a vida melhorou em todos os aspectos.
Perlman comparou as respostas dos entrevistados de 1969 com as respostas dos mesmos personagens que conseguiu encontrar desde 2001. Ela afirma que a violência, a preocupação mais marcante nos dias de hoje, não era um problema em 1969, quando o maior medo era ser removido da favela pela política do poder público de retirar moradores pobres das áreas nobres e levar para conjuntos no subúrbio da cidade.
Em 1969, apenas 16% dos entrevistados disseram que a violência era a pior característica do Rio. Essa porcentagem subiu para 60% entre os que foram entrevistados novamente.
"Em 1969, a violência não era uma preocupação desses moradores. Hoje, muitos afirmam que temem morrer por bala perdida, pela ação da polícia ou dos traficantes", afirma a antropóloga.
A instabilidade no emprego (medida pela porcentagem de entrevistados que ficaram desempregados por mais de um mês) era de 31% entre os que participaram da pesquisa em 1969 e é de 65% entre os filhos desses entrevistados.

Desunião
A geração dos filhos também tem uma percepção maior da falta de união entre as pessoas de sua comunidade. Há 35 anos, 54% dos entrevistados diziam que as pessoas da favela eram muito unidas, enquanto 21% afirmavam que faltava união.
Quando fez a mesma pergunta para os filhos desses moradores, Perlman percebeu que essa situação se inverteu radicalmente: apenas 6% disseram que havia muita união e 58% afirmaram que faltava isso nas favelas. Prova disso é que, entre os pais de 1969, 31% participavam de associação de moradores, ante apenas 6% de seus filhos hoje.
Para a antropóloga, a melhoria da escolaridade não melhorou a situação do emprego porque os avanços nos últimos 35 anos foram insuficientes para acompanhar o aumento da exigência do mercado de trabalho.
"Há 35 anos, os pais diziam para os filhos que eles deveriam estudar para não ter que sobreviver da coleta de lixo. Hoje, um emprego de gari no Rio de Janeiro, que é muito concorrido, exige ensino fundamental completo."


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