São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Reavaliação da greve no Judiciário

WALTER CENEVIVA

da Equipe de Articulistas
Aproveito o recesso do Senado para retomar o tema da greve na magistratura, num momento no qual não se fala dela, para examiná-la sem a densidade emocional característica dos dias em que há movimento paredista projetado ou em andamento, aproveitando, ainda, a discussão do projeto de reforma do Judiciário.
No Brasil o operário do direito tem dois modos básicos de ver a questão. O modo constitucional está definido no artigo 37, inciso 7º -no capítulo sobre a administração pública-, e reconhece direitos dos servidores à paralisação do trabalho, desde que exercido nos termos permitidos por lei complementar, aprovada pela metade mais um dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado. O pormenor técnico ilustra a diferença entre a greve dos trabalhadores do setor privado (regulada por lei ordinária, de quórum e processo simplificado, define serviços essenciais) e do setor público, de quórum especial.
A Constituição e a lei não proíbem o presidente da República, os parlamentares e os governadores de fazerem greve. Também não proíbem os ministros do Supremo Tribunal Federal. Deve-se, por isso, entender que isso os libera para a greve? A resposta negativa abre campo para uma primeira conclusão. A permissão para a greve quer dizer que todos os servidores públicos podem adotar a paralisação coletiva de seu trabalho, salvo se impedidos pela natureza do cargo, mesmo que a alternativa não seja expressa na Carta Magna.
Muitos juízes -sobretudo os que se situam no primeiro grau da carreira- sustentam seu direito grevista. Alegam que a natureza de seus cargos é inconfundível com a dos tribunais, geralmente providos de gabinetes de trabalho, com assessores e assessoras, carro com motorista à porta e assim por diante. Só eles, no primeiro grau da caminhada profissional, são verdadeiros operários da magistratura, enfrentando as maiores dificuldades para o cumprimento de sua missão, além de baixos salários.
Nessa descrição -ressalvado algum exagero- estou de acordo com eles. Mas, ainda assim, penso que não devem participar de greves. A concordância e a discordância têm sua lógica. O juiz no início de carreira e o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), quando decidem uma relação jurídica, transformam a hipótese legal em um fato concreto. Quando o juiz, na comarca, decreta o despejo do locatário, por falta de pagamento ou condena o devedor de tributos a pagar o que deve, ele atua como órgão de governo. É verdade que sua decisão pode ser reformada no tribunal, mas nem por isso se exclui sua força na órbita restrita em gerar efeitos.
Há, porém, razão nem legal, nem constitucional, mas mais forte que as outras. O juiz moderno tem responsabilidade agravada perante a cidadania em geral e sua comunidade em particular. Retardar o direito do cidadão, com a recusa grevista ao trabalho, frauda o povo, dono de todo poder. O povo tem o direito à justiça estatal sem interrupção. Negá-la frustra a democracia e o próprio Judiciário. Se o juiz é servidor diferenciado para ter privilégios exclusivos, também o é para exercer sua função. Sem greve. O magistrado tem direito de reivindicar melhores condições de trabalho, aí incluída a remuneração. Pode adotar todos os meios legítimos de pressão a seu dispor. Exclui-se deles a greve, que sacrifica os jurisdicionados, cuja prioridade se sobrepõe aos direitos dos julgadores.


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