São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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SEM DESTINO
Tocantins é o Estado onde há o maior número de casos por 100 mil habitantes; maioria é de homens
102,2 mil desapareceram em 6 meses

DANIELA FALCÃO
da Sucursal de Brasília

Pelo menos 102,2 mil pessoas desapareceram no primeiro semestre de 98 no Brasil. A maioria dos desaparecidos é do sexo masculino (60% dos casos) e tem entre 12 e 25 anos (50,2%).
Por ano, estima-se que pelo menos 204,5 mil pessoas desapareçam no país -número equivalente a dois Maracanãs lotados ou a toda a população de Rio Branco, capital do Acre, que tem 228 mil habitantes.
O levantamento, obtido com exclusividade pela Folha, foi feito pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos em distritos policiais de 25 Estados e no Distrito Federal. Os resultados estão no livro "Cadê Você", que será lançado na próxima terça-feira.
O número de pessoas desaparecidas, entretanto, pode ser bem maior do que o levantado pelos pesquisadores.
Como não há um serviço estruturado no país para atender às famílias de pessoas desaparecidas, muita gente não dá queixa.
Outro problema é que, na maioria dos Estados, só as delegacias da capital mantêm registros sobre desaparecidos.
Falta ainda um cadastro nacional de desaparecidos que permita às delegacias de Estados diferentes trocarem informações entre si, como acontece nos EUA.
Naquele país, o FBI (polícia federal norte-americana) mantém contato permanente com os departamentos de desaparecidos das polícias estaduais para fazer sua própria lista.

Trabalho específico
No Brasil, apenas três capitais têm delegacias específicas para tratar de desaparecidos: Boa Vista (RR), Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP). Só seis Estados fizeram boletins de ocorrência para registrar desaparecimentos, com espaço para as famílias darem detalhes que facilitem a busca.
"Apenas nesses lugares há um entendimento de que os desaparecidos são um problema do Estado", reclama Olmar Romeu Klich, secretário-executivo do MNDH.

Sem estrutura
Segundo os organizadores da pesquisa, não há estrutura montada para atender às famílias porque os desaparecimentos não são considerados crime.
"Muitos delegados justificam a ausência de atuação mais firme alegando que a busca por desaparecidos não é uma atribuição da polícia", afirmam Djaci Oliveira e Elen Geraldes, autores do livro.
Nas entrevistas feitas pelos pesquisadores, alguns delegados chegaram a culpar as famílias, alegando que elas eram as grandes responsáveis pelos desaparecimentos e que estavam arranjando mais trabalho para a polícia, que já vive sobrecarregada.
Segundo os pesquisadores, sem uma suspeita de homicídio ou sequestro, a Polícia Civil não se sente na obrigação de investigar.

Estados campeões
São Paulo registrou o maior número absoluto de pessoas desaparecidas -46.223 no primeiro semestre de 98. Proporcionalmente ao conjunto da população, entretanto, o Estado aparece em sexto lugar, com 33,7 desaparecidos por 100 mil habitantes.
O Tocantins é o campeão nacional de desaparecidos, com um índice de 139,3 desaparecimentos por 100 mil habitantes. Em segundo lugar vem Pernambuco (59,8) e em terceiro, Goiás (54,4).
Em quase todos os Estados pesquisados, o número de homens desaparecidos é maior do que o de mulheres.
As únicas exceções são Paraíba e Sergipe, onde mais mulheres sumiram, e o Maranhão, onde a proporção é igual.

Motivos
Sequestro para adoção ilegal, perda de memória, retardamento mental, fuga, homicídio e abandono do lar são as principais causas dos desaparecimentos levantados pelo MNDH.
Muitos deles, entretanto, somem simplesmente porque não sabem explicar onde moram nem o nome dos pais.


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