São Paulo, sábado, 10 de agosto de 2002

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POLÍCIA FORA DA LEI

Abreu Filho afirma que não teve contato com o Gradi e que só agora soube de infiltração de detentos

Secretário diz que desconhecia uso de presos

DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de ser promotor e estar acostumado a lidar com a lei, o secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, se recusou ontem a dizer se infiltrar presos em ações policiais é legal.
O próprio comandante-geral da PM, coronel Alberto Silveira Rodrigues, empossado em abril por ele e que suspendeu as ações do Gradi, afirmou à Folha, no último dia 28, que é ""totalmente irregular e ilegal" o procedimento. ""Respeito a opinião dele", disse Abreu Filho. Leia abaixo a entrevista que o secretário deu à Folha ontem.

Folha - Quando o senhor ficou sabendo das ações com presos?
Saulo de Castro Abreu Filho -
Nunca soube.

Folha - Mas quando o senhor defende a PM, diz que era legal...
Abreu Filho -
Não digo que a ação é legal. O que é que diz a lei? Pode fazer diligência? O que é diligenciar? Não sei. É reconhecer, é apontar o comparsa, mostrar onde escondeu o cadáver? Como se dá conteúdo ao verbo diligenciar?

Folha - A Lei de Execuções Penais não fala o que é diligenciar.
Abreu Filho -
Você tem lacunas na lei. Cabe ao Poder Judiciário interpretar. Não é o secretário, não é o jornalista. É chegar e falar o seguinte: como é que é isso? Se você discorda da decisão judicial, você recorre. O que eu coloquei: desde que revestido de ordem judicial, qualquer ato é legal. Quem interpreta a lei é o juiz.

Folha - Mas o senhor sabia que os presos saíam com ordem judicial?
Abreu Filho -
Soube agora. A forma como se investiga, se você planta preso, se você grampeia, se você se faz passar por traficante para comprar droga não é discutido com o secretário da Segurança.

Folha - O senhor soube então pela Folha, no domingo dia 28, quando o jornal revelou as ações do Gradi?
Abreu Filho -
É, o debate é de agora. Com relação à Castelinho, a informação me foi dada no dia, pelo então comandante-geral, Rui César Melo, que me ligou de manhã. Falou: ""Secretário, está em andamento uma operação, são bandidos, criminosos, não temos noção de quantos são, mas nós estamos fechando um cerco policial". Depois me ligou, falando: ""Olha, morreram 12". É lógico que, internamente, exclamei: ""Nossa!". Doze pessoas mortas, deve ter sido um negócio complicado. Imediatamente, a imprensa começou a cobrir. Mandei chamar e perguntei como é que foi. Foi o serviço velado da PM. Não me foi colocado que era o Gradi.

Folha - Após a acusação de tortura, em março, chegou ao senhor a informação do uso de presos?
Abreu Filho -
Não.

Folha - Em que momento...
Abreu Filho -
Nem esses fatos que o preso denuncia hoje chegaram aqui no nível de secretário.

Folha - Mas em que momento, antes de o senhor sair em defesa...
Abreu Filho -
Qual é a questão?

Folha -Quando o senhor ficou sabendo que os presos eram retirados e usados nas ações da PM...
Abreu Filho -
Materialmente, que pega em presídio, leva e infiltra?

Folha - É.
Abreu Filho -
Basicamente agora, quando vocês começaram a falar.

Folha - Não estaria errado dizer que só depois da divulgação da história é que o senhor tomou ciência?
Abreu Filho -
Não tenho bem certeza, talvez um pouco antes, quando começou essa história, não remontando à Castelinho.

Folha -O senhor acabou de dizer que teve ciência dos fatos agora...
Abreu Filho -
As informações que eu recebo, basicamente, vem de três pessoas: o superintendente da Polícia Científica, do delegado-geral e do comandante-geral da PM. Nunca me trouxeram essa história. Eu nunca tive contato com o Gradi. Nunca fui ao Dipo. O juiz Octávio eu vi e o cumprimentei formalmente em uma cerimônia. O juiz Maurício trabalhei próximo, em uma Promotoria em Barueri. Esses personagens nunca me trouxeram informação de que havia infiltração de presos.

Folha - Há uma lei que estipula quem pode fazer infiltração, agentes policiais ou de inteligência...
Abreu Filho -
Você me desculpe, mas não vou interpretar a lei. Sou secretário da Segurança. Quem interpreta lei é o Judiciário.

Folha -É legal a infiltração?
Abreu Filho -
Tem ordem judicial, é legal. Toda ordem judicial é legal. Na dúvida, é o Judiciário que interpreta, e nós cumprimos. Se o policial, na execução de uma ordem legal, se desviou, puna-se.

Folha - A maioria das saídas de presos (55%) ocorreram na gestão do senhor. E quatro das cinco ações suspeitas também...
Abreu Filho -
Isso aí você tem de perguntar para quem deu as autorizações [de saída de presos", não para mim. É uma relação direta dos policiais com a Justiça.

Folha - Não chama a atenção o número de mortes?
Abreu Filho -
O confronto, às vezes, é inevitável. O volume de mortes [de civis, pela PM", em 2000 cresceu muito, em 2001 abaixou um pouco e em 2002 estabilizou.

Folha - Como explicar a diferença entre a PM e a Polícia Civil, que conseguiu melhores resultados, matou menos, trabalhou com promotores e não usou presos?
Abreu Filho -
Não sei até onde foi a participação do Ministério Público nas ações da PM. Não teve nenhuma reunião de promotores com policiais militares, juízes?

Folha - Se teve reunião, não deixaram documento. A Polícia Civil foi por uma linha que permitiu a fiscalização, e a PM foi por outro, que gerou suspeitas.
Abreu Filho -
A suspeita é quanto à infiltração de preso?

Folha - Suspeita em relação à infiltração de presos, abuso de autoridade, homicídio e tortura.
Abreu Filho -
Em relação às operações que eu conheço, estão todas em investigação. Foram todas revestidas de legalidade, não vi abusos. Agora, a pluralidade de mortes chama a atenção, mas não me induz [a pensar], até agora, em nenhum tipo de desvio. Sobre a legalidade da ação, é uma questão a ser resolvida no Judiciário.



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