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ENTREVISTA DE 2ª
MARTIN CARNOY
"Professores brasileiros precisam aprender a ensinar"
Para economista, é preciso supervisionar
o que ocorre na sala de aula no Brasil; problema também afeta escola particular
Letícia Moreira/Folha Imagem
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Martin Carnoy durante entrevista e, São Paulo sobre estudo em que compara os sistemas de educação do Brasil, Chile e Cuba
MARIA CRISTINA FRIAS
ROBERTA BENCINI
DA REPORTAGEM LOCAL
"POR QUE alunos cubanos vão tão melhor
na escola do que brasileiros e chilenos,
apesar da baixa renda per capita em Cuba?" A pergunta norteou estudo do economista Martin Carnoy, professor da Universidade
Stanford, que filmou e mensurou diferenças entre atividades escolares nos três países. No Brasil, o professor encontrou despreparo para ensinar e atividades
feitas pelos alunos sem controle. "Quase não há supervisão do que ocorre em classe no Brasil."
Para ele, o problema também atinge a rede particular. "Pais de escolas de elite pensam que estão dando
ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os
colocassem em uma escola pública de classe média do
Canadá." Carnoy sugere filmar o desempenho dos
professores. "Não basta saber a matéria. É preciso saber como ensiná-la." Ele esteve no Brasil na semana
passada para lançar o livro "A Vantagem Acadêmica
de Cuba", patrocinado pela Fundação Lemann.
FOLHA - O que mais chamou a sua
atenção nas aulas no Brasil?
MARTIN CARNOY - Professoras
contratadas por indicação do
secretário de Educação do município, que dirigem a escola e
vão lá de vez em quando; 60%
das crianças repetem o ano, e
professoras pensam que isso é
natural porque acham que as
crianças simplesmente não
conseguem aprender. Fiquei
impressionado, o livro [didático usado na sala de aula] era difícil de ler. Precisaria ter alguém muito bom para ensinar
aquelas crianças com ele. Ficaria surpreso se qualquer criança conseguisse passar [de ano].
Vi escolas na Bahia, em Mato
Grosso do Sul, em São Paulo, no
Rio... [entre outros].
FOLHA - Qual a metodologia do estudo?
CARNOY - Como economista,
usei dados macro para explicar
as diferenças entre os países
nos testes de matemática e linguagem. Fizemos análises com
visitas a escolas e filmamos
classes de matemática e analisamos as diferenças entre as
atividades em classe. Há uma
grande diferença, pais cubanos
têm renda baixa, mas são altamente educados, em comparação com os do Brasil. O estudo
foi finalizado em 2003 e depois
comparamos Costa Rica e Panamá. Na Costa Rica, há coisas
engenhosas, aulas com duas
horas, em que se pode realmente ensinar algo. Supervisionar a
resolução de problemas de matemática e, principalmente,
discutir resultados e erros. Os
alunos cubanos têm aulas acadêmicas das 8h às 12h30. Depois, almoço. Voltam às 14h e ficam até as 16h30, quando têm
uma sessão de TV por 40 minutos. A seguir, artes e esportes,
mas com o mesmo professor.
FOLHA - Ter o mesmo professor durante quatro anos (como os cubanos) é uma vantagem?
CARNOY - Quatro anos, pelo
menos. Mas os alunos não mudam de um ano para outro. No
Brasil, se alunos e professores
mudam muito de escola, como
fazer isso? Se a ideia é tão boa,
se funciona, deveríamos fazer
algo para que pelo menos professores não mudassem tanto.
FOLHA - Qual a sua avaliação sobre
a proposta da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que vincula o aumento de salário à permanência do professor na mesma escola e à aprovação em testes?
CARNOY - Sugeri ao secretário
Paulo Renato que acrescentasse um teste: filmar o professor,
como no Chile. Professores de
outra escola avaliam os videoteipes. Professores podem ser
bons nos testes, mas péssimos
para ensinar. Se você tiver um
professor experiente que foi
bem ensinado a ensinar e teve
um bom desempenho com os
alunos, a diferença é visível em
relação a uma pessoa sem experiência, como eu. Profissionais
que viram as fitas disseram que
há grande diferença entre o
professor cubano e o brasileiro.
FOLHA - A Secretaria da Educação
pretende oferecer curso de treinamento de professores de quatro meses. Em Cuba, dura 18 meses, para o
nível médio. O que é importante
num treinamento?
CARNOY - [Em Cuba] São oito
meses para a escola fundamental. Mas são para os professores
que não foram à faculdade. Você deve se lembrar que houve
escassez de professores, com o
incremento do turismo, que
atrai pelo pagamento em dólares. Tiveram de produzir muitos professores, muito rapidamente. Então, pegaram os melhores estudantes do ensino
médio e lhes ofereceram cinco
anos de universidade nos finais
de semana. O que é importante
nesses cursos de treinamento é
ensinar como dar o currículo,
como ensinar matemática. O
Estado deve estabelecer padrões claros, como na Califórnia. Isso é o que tem de ser ensinado em matemática no terceiro ano. No Chile, há um currículo nacional, mas não ensinam aos estudantes de pedagogia como ensinar o currículo.
FOLHA - O sr. dá muita importância
ao diretor...
CARNOY - E também à supervisora, que em muitas escolas no
Brasil não fazem nada, não entram em sala. Em Cuba, diretores e vice-diretores ou supervisoras assistem às aulas. Nos
primeiros três anos de serviços
de um professor, eles entram
muito, ao menos duas vezes por
semana. São tutores que asseguraram que a instrução siga o
método e o nível requeridos pelos padrões estabelecidos.
FOLHA - Os bônus a professores,
como ocorre no Estado de São Paulo,
são um bom caminho?
CARNOY - Não há boas evidências de que esse sistema de estímulo funciona. O modelo usado em São Paulo, em que todos
os professores ganham mais dinheiro se a escola atingir a meta, pode funcionar. Tentaram
isso na Carolina do Sul, no final
dos anos 80. Foi um grande sucesso por poucos anos e, depois, deixou de sê-lo porque
não houve mais melhora. Eles
só atingiram um certo limite e
não conseguiram mais progredir. Há o efeito inicial do esforço e depois, quando as pessoas
têm que saber melhor como
aprimorar o desempenho dos
alunos, nada acontece. E não
existe mais na Carolina do Sul.
O que tem sido feito, em geral, nos EUA não é bônus, mas
punição. Se a escola fracassa
em atingir a sua meta em três
anos, como na Flórida, os estudantes podem receber vouchers e frequentar escolas particulares, em vez de públicas.
A forma como estão fazendo
em São Paulo não é a melhor.
Eles medem neste ano como a
segunda série aprende e, no
próximo, quanto a segunda série aprende. Mas não os mesmos alunos. Escolas pequenas
têm mais chance de receber bônus do que grandes. Se a escola
cai, não há punição. Só não recebe bônus. Não estou defendendo punição, só digo que eles
[bônus] são mal mensurados.
Você pode fazer como em
São Paulo, mas não dar bônus
todo ano, e sim a cada dois anos.
E aí poderá ver o que se ganhou
com os alunos que se mantiveram na escola e ter as médias,
mas com as mesmas crianças
através das séries. O problema
da falta de professores é mais
grave porque é sobretudo um
absenteísmo autorizado, não é
ilegal. Em Cuba, professores e
alunos faltam pouco. É tudo
controlado.
FOLHA - Melhorar o ensino público
provocaria uma avanço na educação como um todo, inclusive nas escolas particulares?
CARNOY - Pais de escolas de elite pensam que estão dando ótima instrução aos filhos, mas fariam melhor se os colocassem
em uma escola pública de classe média do Canadá. Mesmo os
melhores docentes brasileiros
são menos treinados do que os
de Taiwan. Os melhores professores no Brasil têm em média
desempenho abaixo da média
do professorado de países desenvolvidos. Investir e melhorar a escola pública, que é a base
de comparação dos pais, elevaria o resultado das melhores escolas particulares também.
Professores são bons em pedagogia, mas não no conhecimento a ser ensinado. Não treinam muito matemática e não
sabem como ensiná-la.
FOLHA - O que do modelo cubano
não pode ser transposto considerando que Cuba vive sob ditadura?
CARNOY - Há, de fato, uma falta
de criatividade [no ensino].
Não se pode questionar, ser
contra a Revolução. Mas as
crianças sabem que estão
aprendendo o esperado. São
bons em matemática, sabem ler
bem e aprendem muita ciência,
mesmo nas escolas rurais ou de
bairros urbanos de baixa renda.
O Brasil tem a capacidade de
enfrentar esses problemas [ter
crianças bem nutridas, com
bom atendimento médico]. Por
que em uma sociedade com
uma renda per capita que não é
tão baixa não se faz isso? Acho
que tem de ser construído um
sistema de supervisão, com
pessoas capazes de ensinar e
treinar novos professores a ensinar. Os professores no Brasil
estudam muito linhas de pedagogia e menos como ensinar.
Podem esquecer tudo aquilo de
Paulo Freire, um amigo. Devem
ler sua obra como exercício intelectual, mas queremos que
professores saibam ensinar.
FOLHA - Não é possível conciliar na
América Latina bom ensino com autonomia, democracia?
CARNOY - A melhor escola é a
que tem professores com democracia. Mas temos de ter um
acordo de quais são os nossos
objetivos. Tony Alvarado é um
supervisor em Manhatan que
trocou metade dos professores
e dos diretores para melhorar a
qualidade das escolas. Ele disse
aos professores: "Este é o programa. Vão implementá-lo comigo ou não? Têm uma semana
para pensar. Se não quiserem,
são livres para sair".
FOLHA - No Brasil seria mais difícil...
CARNOY - Seria muito mais fácil! Um quarto do professorado
muda de escola todo ano! Em
Nova York, não se demitiu. Alvarado mandou-os para outros
bairros. Precisa, no início, de
um certo autoritarismo. Porque alguém tem de dizer o que
fazer no início. E depois, sim,
há uma democracia. Os diretores devem se preocupar com os
direitos das crianças. Em Cuba,
é o Estado. Aqui, os sindicatos
de professores preocupam-se
com os direitos dos associados
- e estão em certos em fazê-lo.
Mas e as pobres crianças que
não têm sindicatos para defender seus direitos à educação?
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