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DATA VENIA
Sobre o efeito vinculante
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
Uma das maiores preocupações
atuais dos operadores do direito é
a morosidade do Judiciário. Justiça lenta e tardia não é Justiça. Estamos assistindo a um verdadeiro
colapso da Justiça brasileira em
razão desse "estrangulamento"
do Judiciário. Muito já se falou sobre isso, e a questão básica acaba
sendo sempre a estrutura caótica
de um dos três poderes imaginados por Montesquieu.
Uma das boas propostas apresentadas para uma solução a curto
ou médio prazo é a súmula vinculante. Formou-se em torno dessa
idéia a corrente dos que são contra
e a daqueles que são a favor.
Se adotado entre nós, o sistema,
a exemplo do que já ocorre nos ordenamentos jurídicos alemão e
americano, significa que as decisões tomadas por STF, STJ ou
TSE, por exemplo, vinculariam
todos os casos semelhantes, evitando repetição e procrastinação
dos processos. Segundo o respeitável e competente ministro do
Supremo Carlos Velloso (Opinião, pág. 1-3, 4/10/98), 85% do
total dos recursos que chegam ao
tribunal são mera repetição.
É bastante louvável a idéia de
instalação da súmula vinculante
em nosso sistema jurídico. Primeiro, porque significaria a valorização de uma das importantes
fontes de direito, a jurisprudência;
segundo, porque desoneraria o
poder público, interferindo na
obrigatoriedade dos recursos propostos por ele mesmo, que são, sabemos todos, apenas procrastinatórios. Registre-se que cerca de
50% dos processos em trâmite no
Judiciário brasileiro são contra a
administração pública, que tem a
aética missão de recorrer apenas
por recorrer. Exemplo disso está
no até caricato recurso interposto
pela administração pública no caso da indenização concedida à viúva de Rubens Paiva.
Devemos, entretanto, tomar
muito cuidado com a extensão
dessa boa idéia ao direito de família, sob pena de cometer mais injustiça que a própria morosidade
do Judiciário. Para refletirmos,
basta recorrer à recente história da
súmula 379 do STF, na qual se estabeleceu que a mulher não pode
renunciar à pensão alimentícia,
mas tão-somente dispensá-la. Tal
decisão adveio de uma construção
doutrinária sobre o princípio da
irrenunciabilidade dos alimentos.
Apesar dessa decisão superior,
os tribunais estaduais tiveram de
passar a não considerá-la, em face
da realidade encontrada na particularidade de cada caso do direito
de família. Ora, muitas mulheres
realmente não precisavam de pensão alimentícia; no entanto, não
poderiam renunciar a ela devido a
essa súmula do STF.
Esse simples exemplo, de importância histórica para a discussão
da súmula vinculante no Brasil,
demonstra-nos que o efeito vinculante não pode ser adotado para o
direito de família. Esse ramo do
direito deve ser tratado em sua
particularidade: cada caso realmente é um caso e traz consigo
uma singularidade.
Após a anunciação por Freud,
no início do século, da existência
do sujeito inconsciente e desejante, especialmente no direito de família, não podemos mais deixar
de considerar que em todos os
atos que fazem fatos e negócios jurídicos, bem como na objetividade
do processo judicial, perpassa
uma subjetividade, diante da qual
a súmula vinculante não contribuirá para que se faça mais justiça.
Rodrigo da Cunha Pereira, 40, advogado, é
presidente do Instituto Brasileiro de Direito de
Família, conselheiro da OAB-MG, professor de
direito de família na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Minas e autor de "Direito de Família, Uma Abordagem Psicanalítica".
E-mail: ibdfam@net.em.com.br
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