São Paulo, sábado, 10 de outubro de 1998

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LETRAS JURÍDICAS

Controles judiciais

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Depois da interrupção provocada pelas eleições, retomo a avaliação de estudo do ministro Carlos Mario da Silva Velloso, em que este examina soluções para o congestionamento do Poder Judiciário, agora com a vantagem da publicação de um resumo de suas idéias, em "Tendências e debates", esta semana.
Em comentários anteriores (dias 19 e 26 de setembro) recordei posições de Velloso especialmente importantes. Entre suas propostas está a de permitir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a determinação de limites para a inconstitucionalidade decretada, produzindo efeito a partir do ato ao qual a decisão se referiu ("ex tunc", da linguagem dos juristas) ou valendo a partir do momento em que a decisão pôs fim ao processo, sem retroatividade ("ex nunc").
Há países em que os tribunais constitucionais podem fixar limites para efeitos da inconstitucionalidade declarada, mas aqui cabe discutir a solução entre operadores do direito, por aspectos próprios da instável lei brasileira e por uma dúvida lógica: a lei declarada inconstitucional é como se nunca houvesse existido. A produção de alguns de seus efeitos pode ser um mal em si mesmo, gerando insegurança.
Outra discussão suscitada pelo texto de Carlos Mario Velloso está na uniformidade das decisões judiciais a respeito dos mesmos assuntos. Velloso entende que o "fetichismo da jurisprudência uniforme em todo o território nacional deve ser afastado". Para ele, a diversidade é até salutar. O ministro do STF está certo na tese. Apenas se lembre que decisões diferentes sobre o mesmo assunto inspiram incerteza na sociedade, em outro mal a apontar na era da comunicação eletrônica, ampliadora de fatos negativos. O maior problema está na longa espera até as partes alcançarem uniformidade de interpretação pelos tribunais superiores.
Com propriedade, Carlos Mario coloca a essência da reforma judicial no primeiro grau, ou seja, em tudo o que se refira aos juízes de comarca, no contato direto com o dia-a-dia da sociedade e de partes, testemunhas, peritos, advogados. Diz Velloso que, enquanto o juiz atua, há pessoas envolvidas. "A partir da sentença tudo é papel, vale dizer, os tribunais de recursos estão diante apenas de papéis." Sustenta a possibilidade de resolver 40% das causas no juízo de primeira instância. Tem razão.
Velloso termina seus comentários tratando do controle de qualidade do Judiciário. Cita o exemplo de Portugal, onde o juiz vai para a comarca depois de 29 meses de preparação no Curso de Formação Inicial, em quatro etapas (de atividades teórico-práticas, de iniciação nos tribunais, de pré-indicação e de formação complementar). Há exemplos semelhantes no Japão e na Espanha. Defende o controle de qualidade por meio do Conselho Nacional da Magistratura, em cuja composição entraria um representante do Conselho Federal da OAB, indicado em lista tríplice ao Supremo, que o designaria. O Conselho da advocacia, no entanto, pretende participação mais numerosa para segmentos estranhos à magistratura.
Pareceu-me importante resumir, em três comentários, as idéias de Carlos Mario da Silva Velloso, concordando com elas ou discordando delas. São exemplos, dados pelo ministro, de coragem no fazer e no defender propostas, essenciais para que o Judiciário saia de aflitiva crise de emperramento.



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