São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

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FEBEM
Nos primeiros nove meses do ano, o número de jovens detidos por assassinato ou tentativa de assassinato superou o total de 1999
Cresce internação de menores por homicídio

Almeida Rocha - 25.out.99/Folha Imagem
Garotos no telhado da Febem Imigrantes durante motim que acabou com quatro mortes e que provocou a desativação da unidade


MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

O número de menores internados em 2000 por homicídio e tentativa de homicídio na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), no Estado de São Paulo, aumentou em relação ao índice dos dois últimos anos.
Até setembro deste ano -dado mais recente da Febem-, 359 adolescentes haviam sido internados por homicídio e tentativa. São 125 internações a mais do que em 99, e 120 a mais do que em 98.
Se o ritmo registrado até setembro se mantiver até o final do ano, o total de 2000 poderá chegar a cerca de 480 adolescentes internados por terem matado ou tentado matar alguém -mais que o dobro do que no ano passado.
De acordo com especialistas da área de segurança pública e da infância e adolescência ouvidos pela Folha, não existe concentração em determinadas épocas do ano comprovada nesse tipo de crime.
Apesar de as internações por homicídio ocuparem hoje o segundo lugar entre os tipos de crime mais cometidos por internos da Febem -roubos e furtos são os líderes absolutos nos últimos anos-, seu crescimento chama a atenção porque a incidência desse delito vem caindo no Estado.
Dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública indicam uma queda de quase 4% nos homicídios dolosos (com intenção de matar) em São Paulo, comparando-se o terceiro trimestre deste ano com igual período de 1999.
"O índice de crimes praticados por adolescentes tem crescido de uma maneira geral no Estado", diz o secretário da Segurança Pública, Marco Vinicio Petrelluzzi. Levantamento de sua equipe, ainda não fechado, aponta também aumento dos homicídios.
O crescimento no número de internações de menores por homicídio e tentativa pode ter muitas explicações, mas uma delas é unanimidade: a falta de perspectiva dos jovens que vivem nos bolsões de pobreza.
O tráfico de drogas e o crime organizado são apontados por alguns, inclusive o próprio Petrelluzzi, como "alternativas profissionais" para adolescentes que não têm muitas oportunidades.
O desejo de pertencer a um grupo e se destacar nele, típico dessa fase da vida, é outro elemento da sedução que os grupos criminosos exercem, diz Karina Sposato, do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidades para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente).
Num contexto que mistura desemprego, desagregação familiar, educação abaixo da média, inexistência de opções de lazer, cultura e esporte, e falta de uma formação profissional competitiva, jovens se tornam criminosos, mas são também as maiores vítimas.
"Para cada adolescente que comete um homicídio, quatro são assassinados", afirma Cláudio Augusto Vieira da Silva, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Ele cita pesquisa feita pelo Movimento dos Direitos Humanos.
Os menores infratores são vítimas ainda da crise na própria Febem paulista, envolvida em denúncias de maus-tratos e abuso de poder, com problemas de superlotação, palco de frequentes rebeliões e greves de funcionários.
"Normalmente o adolescente internado por homicídio já esteve na Febem antes por outro delito. As unidades não têm estrutura para lidar com os jovens que cometeram infrações mais leves", diz Karina Sposato.
Como exemplo da inadequação da estrutura da fundação, a advogada cita uma pesquisa feita com internos pelo Ilanud, em parceria com o Unicef.
"Todos os entrevistados disseram que as atividades profissionais que aprenderam na instituição não ajudaram em nada quando saíram", conta.
Nas unidades, os menores têm aulas de tapeçaria, artesanato e marcenaria, entre outras.
Procurado pela Folha na sexta-feira, o secretário de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social, Edsom Ortega, não pôde atender à reportagem. Ele estava em viagem pelo interior, inaugurando unidades da fundação. Sua assessoria informou que ele não teria tempo para se manifestar.
O aumento no número de internações de menores acusados de homicídio é uma "luz de emergência", mostrando uma situação problemática, na opinião de Cláudio Augusto Vieira da Silva.
O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral da Criança em São Paulo, concorda com a posição. "Os homicídios praticados por adolescentes ainda são uma percentagem pequena, em comparação com o total de homicídios cometidos", afirma.
De acordo com o Ministério da Justiça, há 1 assassinato praticado por menor submetido a medida socioeducativa (internado ou não) para cada 19 praticados por adultos que já cumprem pena.
"De qualquer forma, a taxa crescente indica como são ineficientes as políticas públicas hoje empreendidas", afirma Silva.
O aumento nas internações de menores por homicídio e tentativa não é exclusividade, entretanto, do Estado de São Paulo.
Os números do Ministério da Justiça apontam que, no Brasil, de 1998 para 1999, essa taxa praticamente duplicou, passando de 1.226 para 2.426.


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