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Perplexidade é sentimento comum entre parentes
DA REPORTAGEM LOCAL
Emoção, saudade e perplexidade são sentimentos que se misturam quando familiares e amigos
das vítimas de homicídios praticados por menores contam a história de suas perdas. Para a maioria dos entrevistados, chega a ser
impossível falar sobre o crime.
Quando conseguem lembrar o
que aconteceu, não há de imediato revolta ou desejo de vingança
contra os supostos assassinos,
mas uma grande dúvida: por quê?
"Meu filho era um rapaz bom,
não arranjava confusão e ajudava
no trabalho nas lojas", diz o comerciante Mohamad Ahmad Ali.
O filho dele, Bahget Mohamad
Ali, 23, foi morto a tiros pelo menor F.M.S., 17, no dia 8 de outubro, em frente a um bar na zona
leste de São Paulo.
O menor confessou o crime à
polícia dois dias depois, foi mandado para a Febem, mas não ficou
nem um mês detido. No seu depoimento, disse que matou Bahget porque ele estava flertando
com uma moça com quem bebia
no bar. O menor é suspeito de outros crimes na região.
Ali não se interessa por isso.
"Não sei por que ele matou meu
filho e não quero saber o que
aconteceu com esse menino. Só
sei que, desde então, não consigo
mais dormir e venho tendo problemas cardíacos", afirma.
O comerciante, entretanto, suspeita que o crime tenha a ver com
uma amigo de Bahget. "Naquele
dia (era domingo), ele chegou
aqui em casa, acordou meu filho e
o levou para o bar", conta.
No meio da entrevista, Ali se
emociona e chega a passar mal.
Ele estava chegando do médico.
"Ainda é muito recente."
A atendente G. P., 39, que presenciou o assassinato do amigo e
colega de trabalho Vagner de Almeida Pacheco, 19, no dia 28 de
novembro, também permanece
abalada.
Pacheco foi morto a tiros pelo
menor R.L., 15, na frente da pizzaria em que trabalhava, no Cambuci (centro de SP). O menino está
foragido, e G. tem medo de se
identificar. "Ele pode voltar para
me matar também", alega.
G. afirma que o amigo era um
rapaz alegre, "um amor". Ao telefone, a atendente também se
emociona e não consegue terminar a entrevista. No depoimento à
polícia, ela contou que R.L. chegou por volta de 22h à pizzaria e
chamou por Pacheco. Depois ela
já viu o garoto atirando. Um entregador de pizza diz que os dois
discutiram, mas o real motivo do
crime ainda é desconhecido.
O inquérito foi encaminhado à
Vara da Infância e da Adolescência. R.L. teria ligado para a mãe e
dito que era inocente e que um
outro menino, também menor,
havia puxado o gatilho porque ele
não sabia como fazer. A família de
Pacheco não foi localizada.
Já a família da professora Andréa Oliveira, 26, não quis comentar a morte da moça. Ela foi morta
em maio por dois menores, por
volta das 17h30, quando saía com
as amigas da aula numa escola em
Cidade Ademar (zona sul de SP),
um dos distritos paulistanos que
mais produzem internos da Febem no Estado de São Paulo.
Quem conta a história é o padre
Tony, que dirige um outro colégio, onde Andréa ensinava artes.
"Os meninos queriam roubar o
carro em que ela estava", diz.
Aparentemente, Andréa tentou
resistir e tomou dois tiros.
Sobre a professora, o padre só
tem elogios. "Ela era muito criativa e competente. Estava coordenando, na outra escola, as atividades suplementares oferecidas aos
alunos no turno da tarde", diz.
A comunidade fez uma passeata
em homenagem a Andréa. O caso
foi lembrado ainda na missa de
formatura do ensino médio do
colégio, há uma semana.
"Isso aqui acontece todo dia. É
um problema previsível porque
há uma total ausência da sociedade organizada na região", afirma
padre Tony. Previsível, mas não
assimilável. O crime abalou todos.
"Algumas crianças não voltaram
para as aulas porque ficaram traumatizadas", diz o diretor.
(MV)
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