São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

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Perplexidade é sentimento comum entre parentes

DA REPORTAGEM LOCAL

Emoção, saudade e perplexidade são sentimentos que se misturam quando familiares e amigos das vítimas de homicídios praticados por menores contam a história de suas perdas. Para a maioria dos entrevistados, chega a ser impossível falar sobre o crime.
Quando conseguem lembrar o que aconteceu, não há de imediato revolta ou desejo de vingança contra os supostos assassinos, mas uma grande dúvida: por quê?
"Meu filho era um rapaz bom, não arranjava confusão e ajudava no trabalho nas lojas", diz o comerciante Mohamad Ahmad Ali. O filho dele, Bahget Mohamad Ali, 23, foi morto a tiros pelo menor F.M.S., 17, no dia 8 de outubro, em frente a um bar na zona leste de São Paulo.
O menor confessou o crime à polícia dois dias depois, foi mandado para a Febem, mas não ficou nem um mês detido. No seu depoimento, disse que matou Bahget porque ele estava flertando com uma moça com quem bebia no bar. O menor é suspeito de outros crimes na região.
Ali não se interessa por isso. "Não sei por que ele matou meu filho e não quero saber o que aconteceu com esse menino. Só sei que, desde então, não consigo mais dormir e venho tendo problemas cardíacos", afirma.
O comerciante, entretanto, suspeita que o crime tenha a ver com uma amigo de Bahget. "Naquele dia (era domingo), ele chegou aqui em casa, acordou meu filho e o levou para o bar", conta.
No meio da entrevista, Ali se emociona e chega a passar mal. Ele estava chegando do médico. "Ainda é muito recente."
A atendente G. P., 39, que presenciou o assassinato do amigo e colega de trabalho Vagner de Almeida Pacheco, 19, no dia 28 de novembro, também permanece abalada.
Pacheco foi morto a tiros pelo menor R.L., 15, na frente da pizzaria em que trabalhava, no Cambuci (centro de SP). O menino está foragido, e G. tem medo de se identificar. "Ele pode voltar para me matar também", alega.
G. afirma que o amigo era um rapaz alegre, "um amor". Ao telefone, a atendente também se emociona e não consegue terminar a entrevista. No depoimento à polícia, ela contou que R.L. chegou por volta de 22h à pizzaria e chamou por Pacheco. Depois ela já viu o garoto atirando. Um entregador de pizza diz que os dois discutiram, mas o real motivo do crime ainda é desconhecido.
O inquérito foi encaminhado à Vara da Infância e da Adolescência. R.L. teria ligado para a mãe e dito que era inocente e que um outro menino, também menor, havia puxado o gatilho porque ele não sabia como fazer. A família de Pacheco não foi localizada.
Já a família da professora Andréa Oliveira, 26, não quis comentar a morte da moça. Ela foi morta em maio por dois menores, por volta das 17h30, quando saía com as amigas da aula numa escola em Cidade Ademar (zona sul de SP), um dos distritos paulistanos que mais produzem internos da Febem no Estado de São Paulo.
Quem conta a história é o padre Tony, que dirige um outro colégio, onde Andréa ensinava artes. "Os meninos queriam roubar o carro em que ela estava", diz. Aparentemente, Andréa tentou resistir e tomou dois tiros.
Sobre a professora, o padre só tem elogios. "Ela era muito criativa e competente. Estava coordenando, na outra escola, as atividades suplementares oferecidas aos alunos no turno da tarde", diz.
A comunidade fez uma passeata em homenagem a Andréa. O caso foi lembrado ainda na missa de formatura do ensino médio do colégio, há uma semana.
"Isso aqui acontece todo dia. É um problema previsível porque há uma total ausência da sociedade organizada na região", afirma padre Tony. Previsível, mas não assimilável. O crime abalou todos. "Algumas crianças não voltaram para as aulas porque ficaram traumatizadas", diz o diretor. (MV)


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