São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

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ARTE ESQUECIDA
50 telas, que retratam médicos brasileiros famosos, estão sendo restauradas após terem sido achadas em depósito
Personagens voltam a hospital em quadros

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Depois de quase 25 anos de esquecimento, uma galeria de personagens da história da medicina no Brasil está ressurgindo no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, o Hospital do Fundão, ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
50 quadros de pintores do século passado e deste século estão sendo restaurados sob a coordenação da artista plástica Eliana Gesteira, funcionária do hospital.
As telas retratam médicos famosos, professores da Faculdade de Medicina da UFRJ -a mais tradicional do país e a segunda mais antiga, fundada por d. João 6º em 1808.
Os quadros foram encontrados no ano passado por Eliana no depósito do hospital. Pertenciam ao antigo prédio da faculdade, na Praia Vermelha (zona sul), um dos centros da resistência estudantil ao regime militar (1964-1985), demolido em 1975. Com a demolição do prédio, parte dos retratos foi mandada para a nova sede da faculdade na ilha do Fundão (zona norte) e parte foi encaixotada. "Vim ao depósito buscar alguma coisa e vi uns contêineres com a inscrição "Quadros". Abri e quase caí ao ver que eram mesmo quadros de pintores importantes", conta Eliana.
Há telas de artistas como Henrique Bernardelli, Belmiro de Almeida, Rodolfo Amoedo e Rodolpho Chambelland, todos professores da Escola Nacional de Belas Artes (hoje Escola de Belas Artes da UFRJ) e importantes pintores do século passado.
Também foram encontradas nos contêineres telas do francês Auguste Petit, que chegou ao Brasil em 1864, e do italiano Gustavo Dall'Ara, que veio para o Rio em 1890 e se transformou num dos principais pintores das paisagens da cidade. Em agosto, uma de suas telas alcançou R$ 200 mil num leilão da Bolsa de Artes do Rio de Janeiro. Petit, por sua vez, era um dos retratistas preferidos da sociedade da época, tendo pintado nobres, benfeitores de obras sociais e cientistas.
Das telas que já tiveram data e autor identificados, a mais antiga é uma pintada pelo alemão Uleich Steffen em 1881, retratando o professor de química mineral Manoel Maria de Morais e Vale, conselheiro do imperador d. Pedro 2º.
Na avaliação do sócio-gerente da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, José Coimbra, os retratos encontrados na UFRJ são importantes por seu valor histórico, mas têm baixo valor de mercado. "Retratos, normalmente, não são vendidos facilmente, porque têm mais valor afetivo e histórico. Todos têm de ser recuperados e mandados para um museu."
Ao todo, Eliana encontrou 90 quadros e, desses, 40 que estavam em melhor estado de conservação já foram restaurados por ela e por três estudantes da Escola de Belas Artes. As telas recuperadas foram expostas no saguão do hospital e hoje estão à mostra na Academia Nacional de Medicina, no Rio.
O trabalho agora é recuperar as outras 50, num projeto apoiado pela direção da Faculdade de Medicina da UFRJ, que paga os estudantes e fornece o material de restauração. Há telas com pequenos cortes e outras semidestruídas, com pedaços completamente descolados. As molduras, em madeira e gesso, estão carcomidas por cupins. O diretor da faculdade, Almir Fraga Valladares, pensa em encomendar uma pesquisa técnica para identificar as datas e os autores de todos os quadros. As telas em pior estado terão também de ser enviadas a laboratórios especializados. Outro projeto é fazer um CD-Rom com as imagens e a história da faculdade.

Centro cultural
Além da restauração dos quadros, outra iniciativa faz sucesso no Hospital do Fundão: a abertura de um centro cultural para médicos, funcionários, alunos e pacientes numa salinha do subsolo.
Entre uma cirurgia e uma aula, eles podem participar de cursos gratuitos de pintura, artesanato, escultura, violão e cavaquinho. Os professores desses cursos também são pessoas que vivem o cotidiano do hospital e estão dispostos a ceder um pouco de tempo para participar do projeto.
Maqueiro há um ano na unidade de oftalmologia e otorrinolaringologia, Marcelo Souza Dutra, 26, pula o horário de almoço duas vezes por semana para dar aulas de cavaquinho. O ascensorista Dimas Bispo dos Santos dá aulas de violão. "É uma terapia para mim e para eles, porque dá gosto ver que as pessoas querem aprender coisas novas", afirma Dutra, que tem hoje 15 alunos.
Dutra e Santos integram um grupo musical do hospital, o Prata da Casa, que se apresenta em eventos e datas comemorativas. O último show foi em novembro, para animar os doadores que atenderam ao apelo do banco de sangue. O hospital também já organizou um passeio ao Centro Cultural Banco do Brasil, no centro do Rio, que muitos funcionários nunca haviam visitado.
Aos poucos, a salinha no subsolo virou um ponto de encontro para quem quer ler, conversar e reduzir o estresse cotidiano.


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