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ARTE ESQUECIDA
50 telas, que retratam médicos brasileiros famosos, estão sendo restauradas após terem sido achadas em depósito
Personagens voltam a hospital em quadros
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Depois de quase 25 anos de esquecimento, uma galeria de personagens da história da medicina
no Brasil está ressurgindo no
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, o Hospital do
Fundão, ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
50 quadros de pintores do século passado e deste século estão
sendo restaurados sob a coordenação da artista plástica Eliana
Gesteira, funcionária do hospital.
As telas retratam médicos famosos, professores da Faculdade
de Medicina da UFRJ -a mais
tradicional do país e a segunda
mais antiga, fundada por d. João
6º em 1808.
Os quadros foram encontrados
no ano passado por Eliana no depósito do hospital. Pertenciam ao
antigo prédio da faculdade, na
Praia Vermelha (zona sul), um
dos centros da resistência estudantil ao regime militar (1964-1985), demolido em 1975. Com a
demolição do prédio, parte dos
retratos foi mandada para a nova
sede da faculdade na ilha do Fundão (zona norte) e parte foi encaixotada. "Vim ao depósito buscar
alguma coisa e vi uns contêineres
com a inscrição "Quadros". Abri e
quase caí ao ver que eram mesmo
quadros de pintores importantes", conta Eliana.
Há telas de artistas como Henrique Bernardelli, Belmiro de Almeida, Rodolfo Amoedo e Rodolpho Chambelland, todos professores da Escola Nacional de Belas
Artes (hoje Escola de Belas Artes
da UFRJ) e importantes pintores
do século passado.
Também foram encontradas
nos contêineres telas do francês
Auguste Petit, que chegou ao Brasil em 1864, e do italiano Gustavo
Dall'Ara, que veio para o Rio em
1890 e se transformou num dos
principais pintores das paisagens
da cidade. Em agosto, uma de
suas telas alcançou R$ 200 mil
num leilão da Bolsa de Artes do
Rio de Janeiro. Petit, por sua vez,
era um dos retratistas preferidos
da sociedade da época, tendo pintado nobres, benfeitores de obras
sociais e cientistas.
Das telas que já tiveram data e
autor identificados, a mais antiga
é uma pintada pelo alemão Uleich
Steffen em 1881, retratando o professor de química mineral Manoel
Maria de Morais e Vale, conselheiro do imperador d. Pedro 2º.
Na avaliação do sócio-gerente
da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, José Coimbra, os retratos encontrados na UFRJ são importantes por seu valor histórico, mas
têm baixo valor de mercado. "Retratos, normalmente, não são
vendidos facilmente, porque têm
mais valor afetivo e histórico. Todos têm de ser recuperados e
mandados para um museu."
Ao todo, Eliana encontrou 90
quadros e, desses, 40 que estavam
em melhor estado de conservação
já foram restaurados por ela e por
três estudantes da Escola de Belas
Artes. As telas recuperadas foram
expostas no saguão do hospital e
hoje estão à mostra na Academia
Nacional de Medicina, no Rio.
O trabalho agora é recuperar as
outras 50, num projeto apoiado
pela direção da Faculdade de Medicina da UFRJ, que paga os estudantes e fornece o material de restauração. Há telas com pequenos
cortes e outras semidestruídas,
com pedaços completamente
descolados. As molduras, em madeira e gesso, estão carcomidas
por cupins. O diretor da faculdade, Almir Fraga Valladares, pensa
em encomendar uma pesquisa
técnica para identificar as datas e
os autores de todos os quadros.
As telas em pior estado terão também de ser enviadas a laboratórios especializados. Outro projeto
é fazer um CD-Rom com as imagens e a história da faculdade.
Centro cultural
Além da restauração dos quadros, outra iniciativa faz sucesso
no Hospital do Fundão: a abertura de um centro cultural para médicos, funcionários, alunos e pacientes numa salinha do subsolo.
Entre uma cirurgia e uma aula,
eles podem participar de cursos
gratuitos de pintura, artesanato,
escultura, violão e cavaquinho. Os
professores desses cursos também são pessoas que vivem o cotidiano do hospital e estão dispostos a ceder um pouco de tempo
para participar do projeto.
Maqueiro há um ano na unidade de oftalmologia e otorrinolaringologia, Marcelo Souza Dutra,
26, pula o horário de almoço duas
vezes por semana para dar aulas
de cavaquinho. O ascensorista Dimas Bispo dos Santos dá aulas de
violão. "É uma terapia para mim e
para eles, porque dá gosto ver que
as pessoas querem aprender coisas novas", afirma Dutra, que tem
hoje 15 alunos.
Dutra e Santos integram um
grupo musical do hospital, o Prata
da Casa, que se apresenta em
eventos e datas comemorativas. O
último show foi em novembro,
para animar os doadores que
atenderam ao apelo do banco de
sangue. O hospital também já organizou um passeio ao Centro
Cultural Banco do Brasil, no centro do Rio, que muitos funcionários nunca haviam visitado.
Aos poucos, a salinha no subsolo virou um ponto de encontro
para quem quer ler, conversar e
reduzir o estresse cotidiano.
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