São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006 |
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GILBERTO DIMENSTEIN Um brinde à inteligência
UM GRUPO de 60 jovens está freqüentando um curso de bartender, num local inusitado: uma escola pública de ensino fundamental. Se o programa repetir o desempenho do ano anterior, 90% dos formados estarão empregados nos próximos seis meses. Além dos professores especialistas em prazeres etílicos, há uma vantagem geográfica: aquela escola localiza-se em um dos centros da boemia paulistana, onde os bares e restaurantes demandam mão-de-obra qualificada. As aulas ocorrem à noite e são destinadas a jovens de famílias pobres, todos com mais de 18 anos. Aprendem não só as receitas das bebidas mas também seus perigos, treinados sobre o consumo consciente do álcool. Os pais dos alunos são convidados a participar das aulas sobre prevenção ao abuso do álcool. A melhor receita nada tem a ver com bebidas e boemia. Localizada na região de Pinheiros, numa área de cortiços, a escola Olavo Pezzotti, que emprestou uma sala para formar profissionais de bartender, fez com que seus alunos se destacassem no teste de português e matemática (Prova Brasil), aplicado pelo Ministério da Educação. Nesse teste, São Paulo aparece quase em último lugar entre as demais capitais. Mas a média das notas da oitava série da Olavo Pezzotti supera ou empata com a média, em língua portuguesa e matemática, de Campo Grande e Curitiba, as primeiras colocadas entre as capitais. Abrir espaço para as aulas de bartender é um ingrediente da receita de uma boa escola -e mostra que não adianta dar mais dinheiro para a educação, como se propõe o novo fundo (Fundeb), aprovado na Câmara, na semana passada, sem mudar a mentalidade dos professores. Vamos encontrar as razões para o bom desempenho da Olavo Pezzotti nas escolas que se destacaram na Prova Brasil, mesmo localizadas em regiões pobres -assim como vemos em qualquer parte do mundo, de Nova York a Nova Déli. Olhando caso a caso, achamos em comum o alto envolvimento da direção e dos professores (portanto, baixa rotatividade), o que favorece um melhor relacionamento com os alunos e suas famílias. Observamos ainda a preocupação em aproximar o currículo do cotidiano e em oferecer atividades extracurriculares. Um fato, porém, é relevante e pouquíssimo estudado, no Brasil, nas faculdades de pedagogia ou nos cursos de licenciatura: as comunidades de aprendizagem. Comunidade de aprendizagem significa, em poucas palavras, a criação de alianças da escola com seu entorno, a começar pelo bairro e estendendo-se pela cidade. Exemplo: a Olavo Pezzotti tira proveito de sua geografia na formação de seus professores, da elaboração do currículo e de atividades culturais. Está próxima de duas universidades (PUC e USP) e de uma série de instituições que desenvolvem os mais diversos programas educativos em artes, comunicação, esportes, geração de renda e saúde. Faz sentido, portanto, ceder espaço ao curso de bartender sabendo que, na região, há um mercado aberto a esse profissional. A comunidade de aprendizagem acaba por compensar ou reduzir uma das pragas das crianças e dos adolescentes: o baixo repertório cultural e a falta de envolvimento das famílias no aprendizado dos filhos. Some-se a isso que muitas dessas crianças têm problemas de saúde, que não são tratados e dificultam a concentração -e um bando de ignorantes acha que a melhor forma de ajudá-las é fazer com que repitam o ano, minando sua auto-estima. No caso da Olavo Pezzotti, há uma relação muito próxima com o posto de saúde e com médicos e terapeutas do entorno. A rede é ainda mais complexa, exibindo a importância vital da pré-escola como fator de inclusão social e estímulo ao desempenho educacional. Prever recursos para esse nível de ensino, tão negligenciado no Brasil, é o ponto mais relevante do Fundeb. A Olavo Pezzotti recebe alunos da também escola pública Zilda de Franceschi, destinada a crianças de quatro a seis anos, cujos professores não se limitam burocraticamente à sala de aula. Por isso, por exemplo, estudantes de uma escola privada da vizinhança (Bialik) vão lá contar histórias sobre o folclore brasileiro. Alguns desses contadores têm nove anos de idade. A Zilda de Franceschi é uma escola de tempo integral -os alunos que permanecem apenas meio período, por falta de vagas, são cuidados por entidades sociais próximas- e fica grudada num centro de saúde, quase formando um único ambiente. Se não for para se inspirar nesse tipo de receita, na qual a dimensão do aprendizado seja uma combinação de escola (de preferência em tempo integral), família e comunidade, aumentar os gastos com educação tende a virar desperdício e não reduzir a desigualdade. PS - Há toneladas de estudos mostrando, com extrema precisão, que apenas subir salários de professores não altera a qualidade da educação. Pesa (e muito), como revela a experiência mundial, o reconhecimento da comunidade, a começar pela família dos alunos, pelo papel do educador. Ver o aluno progredir transforma-se, então, numa recompensa. Texto Anterior: Tempo de espera por ambulância chega a 2h 40 Próximo Texto: Liminar sobre outdoor gera divergência Índice |
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