São Paulo, quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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Irmãos mortos viviam vigiados por parentes

Na região onde moravam em Santana de Parnaíba, as quatro vítimas de deslizamento conviviam cercadas de familiares

Crianças já haviam feito pedido de presentes para o Natal: reloginhos e Barbie; juntos, os pais ganhavam salários de R$ 1.400 por mês

André Vicente/Folha Imagem
Tio em enterro dos 4 irmãos mortos após deslizamento de terra em Santana de Parnaíba; ele segurava a carteira de identidade das vítimas

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo com o conforto de ter tantos parentes na vizinhança, e a segurança de gente conhecida para tomar conta da criançada, não foi possível para a auxiliar de limpeza Neusa de Oliveira Gambeta, 43, evitar a tragédia que matou quatro de seus nove filhos, três deles com o atual marido, o ajudante-geral Geomar Souza dos Santos, 35.
Um deslizamento de terra derrubou a maior parte da casa deles, soterrando as crianças -uma de 9 e dois gêmeos de 7- e o meio-irmão delas, o pedreiro João Luis, 20. Neusa e Gilmar ainda tentaram salvá-los, cavando a terra com uma pá, mas não conseguiram. "Era muita coisa", disse ele.
Cravejado por casas de madeira, o bairro 120 fica em uma das regiões mais carentes de Santana de Paranaíba, Grande São Paulo: o morro onde está o que restou da casa de Geomar é praticamente um feudo das duas famílias. Moram na região quatro dos 11 irmãos de Geomar e quatro de Neuza.
Tios, primos e irmãos parados no meio de uma ladeira enlameada, única via de acesso à região, eram ontem o retrato do flagelo. Pelão, Sabrina e Duque, os três cachorrinhos poodle das crianças, se enroscavam na perna do inconsolável Geomar. Ele lembrava como os filhos gostavam quando ele os levava para comer pizza.
Uma das irmãs de Geomar, Mara, 30, vizinha de porta, contava que levou os dois filhos para Carapicuiba. "Eles nem sabem que os primos morreram."
Geomara estava na terceira série, e os gêmeos Juliano e Juliana, na segunda. Os três estudavam em uma escola que fica a cinco minutos a pé da casa derrubada. Iam ao meio-dia, com os primos, e voltavam às 18h.
Os nomes deles, segundo Mara, já estavam em um papel que seria entregue em Alphaville a um grupo de moradores que presenteia as crianças no Natal. Juliano e Juliana pediram reloginhos do Ben 10, heroi de desenho animado da TV. Geomara queria uma Barbie.
Em outubro, os gêmeos comemoraram o aniversário em uma "cabana" improvisada na varanda da casa de um tio.
Em estado de choque, Neusa não conseguiu ir ontem ao enterro dos filhos. À tarde, alojada na casa do cunhado, após ficar quase dois dias sedada, ela conversou com familiares. Falou pouco. Com a expressão de uma criança que levou uma bronca injusta, respondia apenas "sei lá", "pode ser", "acho que sim", às perguntas sobre como está reagindo.
Neusa trabalha há três meses em uma fábrica de embalagens, onde ganha cerca de R$ 500. Geomar é ajudante-geral em um frigorífico e tem um salário de R$ 900. A família foi removida provisoriamente para um ginásio e vai dormir em uma quadra de futebol de salão.
Na rua da tragédia, havia ontem um trator e um grupo de assistentes sociais, que tomam notas dos dados daquelas famílias. Marcelo Paladino, da ONG Instituto Vamos à Luta, aponta para uma casa, sobre a qual há uma antena de retransmissão de rádio. "Eles estão constantemente ameaçados por cerca de 50 mil volts", afirma Paladino.
Segundo o secretário de Comunicação Social, Jamil Akkari, a cidade tem 900 famílias em situação vulnerável (de risco).
A descoberta de mais dois corpos ontem em Itapevi e Cajamar elevou para oito o número de mortos pela chuva no Estado nos últimos dois dias.


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