São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2001

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REVISTA

Cuidado, frágil

ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA

O bebê nasce prematuro, no provador de uma loja de roupas. Preocupado com seu choro forte e persistente, o médico que acaba de chegar quer saber se o recém-nascido caiu ou se houve algum problema na hora do parto. Nada, dizem todos. "Parece que o seu bebê sofreu algumas fraturas dentro do seu útero. Ele está com as pernas e os braços quebrados", diz o médico à mãe, intrigado.
A cena, impactante, abre o filme "Corpo Fechado", um dos atuais campeões de bilheteria em São Paulo. Nele, o diretor americano de origem hindu M. Night Shyamalan contrapõe um personagem extremamente frágil a outro quase "inquebrável" (seu título original, "Unbreakable"). O mix de realidade e história em quadrinhos acaba dando a impressão de que, ali, tudo é ficção. Não é.
O mal que acomete o sr. Vidro -apelido dado ao frágil personagem de Samuel L. Jackson- existe e atinge cerca de 12 mil brasileiros. Chamada osteogênese imperfeita (OI), é uma doença genética sem cura, que provoca fraturas múltiplas e sucessivas, dores contínuas e deformidades, podendo ser letal em alguns casos (veja quadro ao lado).
As fraturas ocorrem, principalmente, durante a infância, às vezes até antes de nascer. Como o bebê de "Corpo Fechado", o chaveiro Marcus Vinicius de Oliveira Gonçalves, 34, de Santos (SP), quebrou a tíbia (osso que liga o joelho ao pé) esquerda durante o parto.
Três meses depois, ao ser mudado de posição no colo do pai, o bebê começou a chorar: havia quebrado o fêmur.
Conviver com as fraturas constantes era difícil, recorda Marcus, mas pior era engolir as doses de cálcio e as "toneladas" de geléia de mocotó. "Não posso nem lembrar que me embrulha o estômago", diz.
O sacrifício foi em vão. A professora de reumatologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Vera Lúcia Szejnfeld, 46, diz que o cálcio não muda nada. "É uma doença genética. Muitas adultos que sofrem de OI tomam cálcio na infância, mas não surte nenhum efeito favorável", diz.
Com OI em grau 3, variável mais comum da doença, as fraturas constantes nos fêmures comprometeram sua estatura (ele mede 1,43 m, e seu pai 1,75 m) e lhe renderam o apelido de Tatoo, referência ao anão da antiga série de TV "A Ilha da Fantasia".
Marcus não tem antepassados com a doença, mas a transmissão hereditária, responsável pela maioria dos casos, se manifestou em sua filha Ana Júlia, de 6 meses. Ana Júlia quebrou o fêmur dentro da barriga da mãe, mas a fratura "colou" antes do parto e até agora não ocorreram outras.
Um dos aspectos mais impressionantes da doença, as fraturas intra-uterinas atingem cerca de 20% das vítimas de OI. A garota Thuany Regina Teixeira, 4 anos, 30 fraturas, já nasceu com pernas, braços e costelas quebrados. "O médico me disse que nunca eu poderia abraçar minha filha, pois ela quebraria", recorda a cabeleireira Regina Teixeira, 28.
Nos primeiros meses de vida, Thuany se quebrava dormindo, ao virar no berço, e a previsão era de que não sobreviveria. Hoje, graças à hidroginástica, seus movimentos melhoraram, e há cerca de um ano não sofre fraturas. Mas, com os ossos encurvados como se fossem de plástico, não consegue andar.
"Existe muito desconhecimento médico sobre a OI, tanto na hora de diagnosticar como na de aconselhar", admite Cláudio Santili, 48, chefe do grupo de ortopedia pediátrica da Santa Casa. "O problema é que a doença é rara e se manifesta de diversas formas diferentes", completa.
Vera Lúcia, da Unifesp, recomenda que os portadores façam o mapeamento genético antes de terem filhos.


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