São Paulo, quarta-feira, 11 de março de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

Quadro vivo


Sem deixar o banco, Gica foi trabalhar com paisagismo. Não queria voltar à penúria, mas o sonho falou mais alto

NASCIDA EM UMA família pobre da periferia de São Paulo, Gica Mesiara estudou em escola estadual e conseguiu fugir à regra: entrou na faculdade pública, no curso de agronomia da Universidade Federal de Viçosa. Seu projeto era estar próxima à natureza, cercada de árvores -um ambiente bem diferente da árida periferia paulistana.
"Foi minha maior frustração." Fez as contas e viu que não teria como se manter, caso morasse fora.
Conseguiu retomar seu projeto verde, muitos anos após a decepção. Não foi fácil -o estresse fez com que perdesse o cabelo e ficasse careca. Virou uma inventora da natureza em cima do concreto.

 

Para sobreviver, Gica entrou num banco e fez carreira. Apesar da pouca idade, logo seria promovida a gerente. Entrou num curso de marketing e, depois, numa pós-graduação em finanças, especializando-se em mercado de capitais. Nada a ver com os sonhos da juventude; gastava seu tempo em planilhas e cálculos matemáticos. "Pelo menos, minha vida econômica deu um salto."
Estava, porém, prestes a entrar numa crise psicológica -e, com ela, foram-se os fios do cabelo. "Parece ironia eu fazer plantas crescerem e meu cabelo sumir."
Gica decidiu trabalhar com paisagismo, sem deixar seu cargo no banco. "Além da sobrecarga de tarefas, estava emocionalmente dividida." Não queria voltar à penúria.
O sonho falou mais alto.

 

Deixou a gestão de investimentos estrangeiros e passou a investir na gestão da natureza. "Fiquei com vontade de encher as casas de verde. Era um jeito de criar uma espécie de floresta urbana."
Desenvolveu uma série de materiais (muitos deles patenteados) para fazer os arranjos. Um deles, Gica batizou de "Quadro Vivo". Pendurado nas paredes da parte interna das casas, é uma moldura, exatamente como a de um quadro, mas, dentro, uma combinação de plantas, cujas cores e cheiros vão mudando com o tempo. "Tive a ideia quando olhei um campo de futebol, com o gramado emoldurado."

 

Não ganhou o mesmo dinheiro dos tempos do mercado financeiro. Mas nem remotamente voltou aos tempos da penúria da periferia. Conseguiu contratos com arquitetos e decoradores -mas só agora o que ela fez vai para o museu.
Com um projeto de Paulo Mendes da Rocha e curadoria de Marcelo Dantas (um dos responsáveis pelo Museu da Língua Portuguesa), o governo de Minas Gerais vai lançar um museu dedicado à história da mineração. Para levar o toque da natureza, Gica produziu um imenso painel vivo.

 

Com o tempo, o cabelo voltou a emoldurar seu rosto. Não como antes; sobraram as lembranças de falhas. Como está satisfeita com suas realizações, diz: "Isso é um troféu de guerra".

 


PS - Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br) imagens de alguns projetos.

gdimen@uol.com.br


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