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ARTIGO
Apagão aéreo
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
PAULO MODESTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
PROBLEMA do apagão
aéreo, que surgiu como
um problema estrutural de gestão, se transformou
em um grave desrespeito à disciplina militar. A decisão de
transferir o controle aéreo comercial para a área civil é uma
mudança estrutural bem-vinda, mas não resolverá o problema, especialmente se essa mudança implicar apenas a transferência de servidores públicos
de um para outro órgão da administração pública.
Se a mudança envolver apenas a transferência do serviço
para um outro órgão estatal, o
problema será agravado porque a Aeronáutica, além de possuir a autoridade que vem da
hierarquia militar, algo que é
importante em um país que
ainda não resolveu o problema
grave das greves no serviço público, sempre contou com bons
gestores.
Qualquer reforma da gestão
pública implica de um lado
uma mudança estrutural e, de
outro, mudança nas formas de
gestão. Por mudança estrutural
não se entende apenas mudança de organograma, mas alteração do regime jurídico dos seus
participantes. Neste plano, haverá um avanço se esse grupo
estiver sob regime de emprego
público, sem direito à estabilidade, nos termos permitidos
pela emenda 19, de 1998.
Há também a alternativa de
transferir o serviço para uma
empresa, a Infraero, mas essa
deveria ser uma solução transitória. A solução ideal é transferir o controle de vôos para uma
autarquia criada por lei, que
conte com um quadro especializado de empregados públicos,
regidos pela CLT. Os atuais
controladores militares seriam
cedidos a essa nova entidade,
que, no entanto, só contrataria
novos controladores civis, empregados públicos.
A mudança estrutural que estamos propondo deve ser
acompanhada da imediata disciplina do direito de greve dos
servidores públicos, que antes
da emenda 19/98 deveria ser
feita por lei complementar e a
partir dela pode ser disciplinada por simples lei ordinária.
Transferir a gestão do tráfego
aéreo civil para órgão civil, com
o uso de servidores públicos
com a garantia de estabilidade,
que podem a qualquer momento recorrer à greve sem correr o
risco de quebrarem a hierarquia militar, é agravar e tornar
estruturalmente mais instável
o sistema ao invés de encaminhar uma solução para ele.
É preciso distinguir claramente as áreas da atividade do
Estado que reclamam servidores efetivos, com garantias de
estabilidade, que manejam poder de Estado e formulam políticas públicas, dos servidores
operacionais, que exercem atividades relevantes, mas de natureza simplesmente técnica
ou operacional, que devem possuir parâmetros de atividade
muito mais próximas da existente no mercado.
Nas atividades exclusivas de
Estado, somente há gestão eficiente da complexa administração pública dos nossos dias
se contarmos com funcionários
estatais que sejam altos servidores públicos, no mínimo com
curso superior (preferivelmente com pós-graduação), selecionados entre os jovens mais talentosos do país.
O prestígio dos cargos, a remuneração elevada e o ethos do
serviço público se encarregarão, então, de garantir o desempenho esperado. O controle de
vôo não tem essas características, de forma que não há justificativa para operá-lo com servidores públicos estatutários,
embora tudo recomende que a
sua gestão seja entregue a agentes bem remunerados, dentro
de padrões de mercado, para
atividades que reclamam qualificação técnica semelhante.
A solução estrutural para o
problema é criar uma autarquia em que predominem empregados públicos na área operacional, conceder autonomia
de gestão aos seus dirigentes,
fixar na alta administração da
autarquia ou da administração
central um grupo de servidores
incumbidos de planejar o sistema, bem como controlar e
acompanhar a eficiência da
gestão operacional da entidade
por contrato de gestão, também previsto na Constituição.
Dada a urgência do problema, a nova entidade e seu quadro de empregados e servidores
podem ser criados por medida
provisória. Os atuais controladores permanecerão servidores públicos, mas se oferecerá a
eles incentivos (a gratificação
que estão demandando) para
que optem pelo emprego público. E os novos controladores de
vôo a serem contratados, além
de serem civis, deverão ser empregados públicos ao invés de
servidores públicos efetivos, lotados em cargos públicos.
O ideal é que essa autarquia
ficasse sob o controle da Aeronáutica. Ela não resolveu o problema até agora porque faltava
ao sistema estatal e militar em
que está inserido o controle de
vôo a necessária flexibilidade
gerencial que a atividade exige.
É através dessa mudança estrutural na gestão, que garante
essa flexibilidade, e, depois, da
escolha de gestores competentes para ocupar os cargos chave,
que será possível evitar apagões aéreos no futuro.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA é professor
emérito da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia
PAULO MODESTO, 40, é presidente do Instituto
Brasileiro de Direito Público e professor de direito administrativo da UFBA
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