São Paulo, quarta-feira, 11 de abril de 2007

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ARTIGO

Apagão aéreo

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
PAULO MODESTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O PROBLEMA do apagão aéreo, que surgiu como um problema estrutural de gestão, se transformou em um grave desrespeito à disciplina militar. A decisão de transferir o controle aéreo comercial para a área civil é uma mudança estrutural bem-vinda, mas não resolverá o problema, especialmente se essa mudança implicar apenas a transferência de servidores públicos de um para outro órgão da administração pública.
Se a mudança envolver apenas a transferência do serviço para um outro órgão estatal, o problema será agravado porque a Aeronáutica, além de possuir a autoridade que vem da hierarquia militar, algo que é importante em um país que ainda não resolveu o problema grave das greves no serviço público, sempre contou com bons gestores.
Qualquer reforma da gestão pública implica de um lado uma mudança estrutural e, de outro, mudança nas formas de gestão. Por mudança estrutural não se entende apenas mudança de organograma, mas alteração do regime jurídico dos seus participantes. Neste plano, haverá um avanço se esse grupo estiver sob regime de emprego público, sem direito à estabilidade, nos termos permitidos pela emenda 19, de 1998.
Há também a alternativa de transferir o serviço para uma empresa, a Infraero, mas essa deveria ser uma solução transitória. A solução ideal é transferir o controle de vôos para uma autarquia criada por lei, que conte com um quadro especializado de empregados públicos, regidos pela CLT. Os atuais controladores militares seriam cedidos a essa nova entidade, que, no entanto, só contrataria novos controladores civis, empregados públicos.
A mudança estrutural que estamos propondo deve ser acompanhada da imediata disciplina do direito de greve dos servidores públicos, que antes da emenda 19/98 deveria ser feita por lei complementar e a partir dela pode ser disciplinada por simples lei ordinária.
Transferir a gestão do tráfego aéreo civil para órgão civil, com o uso de servidores públicos com a garantia de estabilidade, que podem a qualquer momento recorrer à greve sem correr o risco de quebrarem a hierarquia militar, é agravar e tornar estruturalmente mais instável o sistema ao invés de encaminhar uma solução para ele.
É preciso distinguir claramente as áreas da atividade do Estado que reclamam servidores efetivos, com garantias de estabilidade, que manejam poder de Estado e formulam políticas públicas, dos servidores operacionais, que exercem atividades relevantes, mas de natureza simplesmente técnica ou operacional, que devem possuir parâmetros de atividade muito mais próximas da existente no mercado.
Nas atividades exclusivas de Estado, somente há gestão eficiente da complexa administração pública dos nossos dias se contarmos com funcionários estatais que sejam altos servidores públicos, no mínimo com curso superior (preferivelmente com pós-graduação), selecionados entre os jovens mais talentosos do país.
O prestígio dos cargos, a remuneração elevada e o ethos do serviço público se encarregarão, então, de garantir o desempenho esperado. O controle de vôo não tem essas características, de forma que não há justificativa para operá-lo com servidores públicos estatutários, embora tudo recomende que a sua gestão seja entregue a agentes bem remunerados, dentro de padrões de mercado, para atividades que reclamam qualificação técnica semelhante.
A solução estrutural para o problema é criar uma autarquia em que predominem empregados públicos na área operacional, conceder autonomia de gestão aos seus dirigentes, fixar na alta administração da autarquia ou da administração central um grupo de servidores incumbidos de planejar o sistema, bem como controlar e acompanhar a eficiência da gestão operacional da entidade por contrato de gestão, também previsto na Constituição.
Dada a urgência do problema, a nova entidade e seu quadro de empregados e servidores podem ser criados por medida provisória. Os atuais controladores permanecerão servidores públicos, mas se oferecerá a eles incentivos (a gratificação que estão demandando) para que optem pelo emprego público. E os novos controladores de vôo a serem contratados, além de serem civis, deverão ser empregados públicos ao invés de servidores públicos efetivos, lotados em cargos públicos.
O ideal é que essa autarquia ficasse sob o controle da Aeronáutica. Ela não resolveu o problema até agora porque faltava ao sistema estatal e militar em que está inserido o controle de vôo a necessária flexibilidade gerencial que a atividade exige.
É através dessa mudança estrutural na gestão, que garante essa flexibilidade, e, depois, da escolha de gestores competentes para ocupar os cargos chave, que será possível evitar apagões aéreos no futuro.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia
PAULO MODESTO, 40, é presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público e professor de direito administrativo da UFBA


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