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GREVES
Resignação demonstra cidadania incipiente
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
A comparação do comportamento de passageiros de meios de
transporte coletivo esta semana
em Washington e São Paulo pode
dizer muito a respeito do sentimento de cidadania existente nas
sociedades dos EUA e do Brasil.
Na terça-feira, segundo dia da
greve dos motoristas de ônibus em
São Paulo, passageiros entrevistados nos pontos em que aguardavam, havia horas, por ônibus que
nunca apareciam demonstravam
resignação e cética esperança.
"Vamos ver, quem sabe mais tarde aparece algum", dizia uma senhora que, pela segunda vez consecutiva, perdia sua jornada de trabalho no emprego doméstico.
Nem a frustração de que outro
serviço público -o telefone de cabine- a impedia até de explicar à
patroa a razão de sua falta foi suficiente para lhe tirar a paciência.
O tom de todos os outros depoimentos colhidos por repórteres de
rádio de passageiros frustrados
durante a greve era semelhante:
calma, "o que fazer?".
Na quarta-feira, um dos confortáveis trens do metrô da capital dos
Estados Unidos atrasou 30 minutos para aparecer na estação
Smithsonian.
Quando o trem finalmente chegou, centenas de funcionários públicos e turistas se acotovelaram
para nele entrar.
Mas um defeito qualquer no
trem fez seu piloto pedir aos passageiros que deixassem os vagões e
esperassem por outro em seguida.
Ocorreu, então, um motim a bordo. Os relatos são imprecisos sobre
como a revolta se iniciou.
O fato é que ninguém saiu dos
carros, a não ser depois de a polícia
chegar e obrigar todos a obedecer.
Uma interpretação apressada
desses dois episódios pode concluir que, como afirmou Sérgio
Buarque de Hollanda, citando o escritor Ribeiro Couto, em "Raízes
do Brasil" (1936), "a contribuição
brasileira para a civilização será de
cordialidade -daremos ao mundo o homem cordial".
Quebra-quebra
Não é bem assim. Nem sempre
atrasos nos meios de transporte
são recebidos pelos brasileiros
com expressões de "lhaneza no
trato,..., generosidade", como dizia
Sérgio Buarque de Hollanda.
Entre 1974 e 1976, por exemplo,
diversos quebra-quebras ocorreram em estações de trem em São
Paulo e Rio de Janeiro, num "protesto selvagem", expressão utilizada pelos sociólogos José Álvaro
Moisés e Verena Martinez-Alier,
no estudo "A Revolta dos Suburbanos ou Patrão, o Trem Atrasou"
(1978).
Pela tese de Moisés e Martinez-Alier, a violência foi a forma possível de expressão, repentina e inorganizada, em face da deterioração
de um serviço público.
Talvez a democracia tenha permitido ao brasileiro canalizar insatisfação por métodos pacíficos.
Mais provável, no entanto, é que
a reação insubordinada dos americanos em Washington seja o resultado de uma enraizada consciência
de direitos de consumidor e contribuinte enquanto a passividade
dos brasileiros em São Paulo resulte de uma ainda incipiente noção
de cidadania, reprimida por décadas por regimes políticos autoritários ou realidades econômicas e
sociais excludentes.
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