São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
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GEOGRAFIA DA DROGA
Pesquisa mostra que 100 em cada 20 viciados morrem em 5 anos em SP
Morte é regra do jogo para dependente

do Conselho Editorial

R.L. é uma menina de 13 anos que viveu até o ano passado nas ruas, viciou-se em crack e já coleciona dois amigos mortos - um a facada e outro queimado na linha do trem.
Por muito pouco, a estatística não é maior: um terceiro amigo recebeu vários tiros, mas escapou.
Dificilmente uma criança drogada, habituada a viver nas ruas ou a conviver com traficantes, não tem um amigo ou conhecido morto ou gravemente ferido.
"É parte da regra do jogo", diz L.G., 15, hoje no SOS Criança. Por causa dessa regra e de tanto ver os amigos apanharem, adoecerem ou morrerem por causa do crack, ela preferiu pedir ajuda.
Esse massacre começa, agora, a ganhar novos números.
Numa das pesquisas mais profundas já feitas sobre a mortalidade causada pelo crack, três psiquiatras da Universidade de São Paulo -Ronaldo Laranjeira, John Dunn e Marcelo Ribeiro- acompanham viciados desde 1993.
Nesse ano, 131 viciados em crack estavam sendo tratados por um hospital público de São Paulo (Hospital de Parada de Taipas). Desde então, eles vão registrando o que acontece com cada um deles, rastreando seus caminhos.
No começo deste mês, já tinham sido contatados 101 daqueles 131 de viciados, todos jovens.
Números da tragédia: 22 mortos. "Não conheço nenhuma doença que mate, proporcionalmente, tanta gente nessa faixa etária", afirma Ronaldo Laranjeira.
Imagine-se o seguinte: de cada 100 jovens, 20 morrerem em cinco anos.
Esses números são até amenos. Afinal, o grupo estava no hospital, logo procurou algum tipo de ajuda, estava disposto a se tratar e a vencer o vício.
"Na população geral, certamente é pior", afirma o psiquiatra John Dunn. "Na pesquisa, temos apenas um termômetro."
A morte é apenas a ponta mais aguçada da tragédia. Dos 101, 28 continuam usando crack. Ou seja, são candidatos à morte precoce. Nove estão presos.
Apenas 39 deles estão abstinentes há mais de um ano, demonstrando que têm capacidade de vencer o vício.
O resultado é que a grande maioria daqueles 101 está morta, presa ou ainda viciada.

Consequência
"É uma consequência óbvia da falta de atendimento. O poder público não está equipado para enfrentar as vítimas de drogas. Eles só tendem mesmo a sofrer um processo contínuo de marginalidade e deterioração", afirma Ronaldo Laranjeira.
Por isso, ele considera que apenas reprimir nada resolve, apenas muda o local onde se consome e se trafica, numa alteração geográfica.
"É como espremer um balão com água. O líquido só muda no espaço, mas permanece lá intacto", afirma. (GD)




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