São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2007

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BARBARA GANCIA

Milhares de guarda-chuvas falsificados

Não pude ver quem era, ela estava de costas. Mas nem inclinar a cabeça, em sinal de respeito, a sirigaita inclinou

DEUS PARECE TER atendido minhas preces. Desde que o avião trazendo o papa adentrou nosso espaço aéreo, eu vinha rezando para que o Todo-Poderoso intercedesse junto a São Pedro, a fim de interromper a chuva que caía.
Explico: nunca antes em uma aglomeração pública foram vistos tantos guarda-chuvas Burberry's falsificados como no primeiro dia da visita papal. Aliás, a julgar pelas imagens mostradas na CNN, o mundo deve estar pensando que o paulistano só compra guarda-chuva no farol.
Na noite de terça, jantei na casa de amigos com Bruno Vespa, o jornalista da RAI que apresenta o programa de entrevistas "Porta a Porta", um hit mundial entre italianos que vivem longe da terra natal, transmitido pela RAI International.
Vespa veio cobrir a viagem do papa e, na quarta, já estava no ar com uma breve entrevista com Bento 16 feita na porta do mosteiro de São Bento (a imprensa tapuia não conseguiu proeza semelhante) e, depois, conduzindo uma mesa-redonda com o secretário de Coordenação das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, e dom Cláudio Hummes.
No jantar em sua homenagem, Bruno Vespa me perguntou se, ao longo do percurso do papa haveria favelas, e se elas eram numerosas em São Paulo. Por que será que os estrangeiros estão sempre tão mais preocupados com a existência das favelas do que a gente? Será porque, para eles, é inacreditável verificar que tratamos esses guetos com a maior naturalidade, como se neles não vivessem outros seres humanos, nossos semelhantes?
Na pauta jornalística do italiano, descobri durante nossa conversa, o tema desagregação da família, mencionado por Lula na véspera da chegada do sumo pontífice, tem relevância maior do que a questão do aborto, que aqui domina o noticiário sobre a visita papal. São pontos de vista diversos, para o consumo de públicos diferentes.
A mim, particularmente, o que mais chamou atenção até agora -além da inesperada timidez e da humildade de Bento 16, que chegou a se abaixar e pegar o terço que caiu da mão do netinho do governador Serra-, foi a falta de polidez, urbanidade, delicadeza e cortesia (qualidades que, reunidas, constituem a civilidade) em torno do santo padre.
A TV mostrou autoridades cumprimentando Bento 16 logo após sua chegada ao aeroporto Gov. André Franco Montoro. Pois eu fiquei pasma em constatar que quase ninguém se dignou a beijar a mão do pontífice. Ora, se essas pessoas foram escolhidas para receber o papa é porque são católicas, não é mesmo? E, que eu saiba, para os católicos, o papa é o representante de Cristo na terra e deve ter sua mão beijada quando a estende para um cumprimento. É simples, não tem muito o que inventar.
Mas não é que uma senhora se apresentou diante do sumo pontífice de saia jeans curtíssima, e outra -de trança, chapéu preto, blazer preto e saia estampada em branco e preto-, saudou Bento 16 como se estivesse dizendo oi para alguma conhecida que acabara de cruzar na calçada da Oscar Freire? Não pude ver de quem se tratava, ela estava de costas. Mas nem mesmo um mero inclinar da cabeça, em sinal de respeito, a sirigaita esboçou.
Agora eu só rezo para que o papa não nos meça pela elite que temos.

barbara@uol.com.br


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