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BARBARA GANCIA
Milhares de guarda-chuvas falsificados
Não pude ver quem era, ela estava de costas. Mas nem inclinar a cabeça, em sinal de respeito, a sirigaita inclinou
DEUS PARECE TER atendido minhas preces. Desde que o
avião trazendo o papa adentrou nosso espaço aéreo, eu vinha
rezando para que o Todo-Poderoso
intercedesse junto a São Pedro, a fim
de interromper a chuva que caía.
Explico: nunca antes em uma
aglomeração pública foram vistos
tantos guarda-chuvas Burberry's
falsificados como no primeiro dia da
visita papal. Aliás, a julgar pelas imagens mostradas na CNN, o mundo
deve estar pensando que o paulistano só compra guarda-chuva no farol.
Na noite de terça, jantei na casa de
amigos com Bruno Vespa, o jornalista da RAI que apresenta o programa
de entrevistas "Porta a Porta", um
hit mundial entre italianos que vivem longe da terra natal, transmitido pela RAI International.
Vespa veio cobrir a viagem do papa e, na quarta, já estava no ar com
uma breve entrevista com Bento 16
feita na porta do mosteiro de São
Bento (a imprensa tapuia não conseguiu proeza semelhante) e, depois, conduzindo uma mesa-redonda com o secretário de Coordenação
das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, e dom Cláudio Hummes.
No jantar em sua homenagem,
Bruno Vespa me perguntou se, ao
longo do percurso do papa haveria
favelas, e se elas eram numerosas
em São Paulo. Por que será que os
estrangeiros estão sempre tão mais
preocupados com a existência das
favelas do que a gente? Será porque,
para eles, é inacreditável verificar
que tratamos esses guetos com a
maior naturalidade, como se neles
não vivessem outros seres humanos, nossos semelhantes?
Na pauta jornalística do italiano,
descobri durante nossa conversa, o
tema desagregação da família, mencionado por Lula na véspera da chegada do sumo pontífice, tem relevância maior do que a questão do
aborto, que aqui domina o noticiário
sobre a visita papal. São pontos de
vista diversos, para o consumo de
públicos diferentes.
A mim, particularmente, o que
mais chamou atenção até agora
-além da inesperada timidez e da
humildade de Bento 16, que chegou
a se abaixar e pegar o terço que caiu
da mão do netinho do governador
Serra-, foi a falta de polidez, urbanidade, delicadeza e cortesia (qualidades que, reunidas, constituem a civilidade) em torno do santo padre.
A TV mostrou autoridades cumprimentando Bento 16 logo após sua
chegada ao aeroporto Gov. André
Franco Montoro. Pois eu fiquei pasma em constatar que quase ninguém se dignou a beijar a mão do
pontífice. Ora, se essas pessoas foram escolhidas para receber o papa
é porque são católicas, não é mesmo? E, que eu saiba, para os católicos, o papa é o representante de
Cristo na terra e deve ter sua mão
beijada quando a estende para um
cumprimento. É simples, não tem
muito o que inventar.
Mas não é que uma senhora se
apresentou diante do sumo pontífice de saia jeans curtíssima, e outra
-de trança, chapéu preto, blazer
preto e saia estampada em branco e
preto-, saudou Bento 16 como se
estivesse dizendo oi para alguma conhecida que acabara de cruzar na
calçada da Oscar Freire? Não pude
ver de quem se tratava, ela estava de
costas. Mas nem mesmo um mero
inclinar da cabeça, em sinal de respeito, a sirigaita esboçou.
Agora eu só rezo para que o papa
não nos meça pela elite que temos.
barbara@uol.com.br
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