São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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Erros também prejudicam outros exames

Segundo os médicos, falhas vão desde a digitação incorreta de laudos até imagens confusas que dificultam o diagnóstico

Associação diz que é difícil contabilizar as queixas no Brasil porque os médicos, na dúvida, pedem que paciente repita o procedimento


DA REPORTAGEM LOCAL

No Brasil, não há dados sobre a incidência dos erros em outros exames de imagem e de análises clínicas, mas 15 médicos entrevistados pela Folha afirmam que eles também são freqüentes e vão desde a digitação errada de laudos até a elaboração de imagens confusas que dificultam o diagnóstico.
Mais de 3.000 estudos europeus e americanos revelam que o problema não é exclusivo do Brasil. Um recente trabalho da Universidade de Leiden (Holanda) com 800 mulheres com tumor uterino revelou que houve erro de interpretação em 30% dos casos. Outro estudo do Hospital Saint Thomas, de Londres, mostrou uma discordância de até 80% entre radiologistas que analisaram problemas da placenta de grávidas.
A própria AMB (Associação Médica Brasileira) reconhece que o problema é sério, mas que, no Brasil, é difícil contabilizar as queixas porque os médicos, quando desconfiam do resultado do exame, pedem para o paciente repeti-lo em outro laboratório de confiança. "Não se anda com a queixa", resume o médico Aldemir Soares, secretário da AMB.
Repetir os exames, segundo os médicos, pode evitar problemas mais sérios. Nem sempre. A ginecologista Cláudia Gazzo conta o caso de uma paciente idosa que, na primeira consulta, tinha um tumor na mama "palpável".
Ao pedir a última mamografia da mulher, feita dois anos antes, a médica percebeu que o laudo assinalava um resultado normal, embora a chapa mostrasse microcalficações agrupadas e de formatos diferentes, situação que sugere um câncer e que precisa ser avaliada com biopsia. "Por essa falha, não foi possível o diagnóstico precoce." A mulher retirou as mamas, mas acabou morrendo.
O obstetra Thomas Gollop, da USP de São Paulo, também coleciona casos de pacientes que tiveram laudos de ultra-som indicando problemas na placenta, que sugeriam sofrimento fetal -condição que pode levar à antecipação do parto-, e que chegaram assustadas ao consultório.
"Se a gente sabe que a paciente não tem diabetes, não é hipertensa, tem volume de líquido amniótico adequado, logo desconfia da falha do exame e a tranqüiliza." Mas ele reconhece que essas falhas podem induzir médicos inexperientes ou não-capacitados a adotar condutas que podem colocar em risco mãe e feto.
Para reduzir as chances de erros, muitos médicos têm aconselhado as pacientes a fazerem seus exames em serviços que conhecem. O mastologista José Luiz Bevilacqua, do Hospital Sírio Libanês, é um deles. "Só confio em dois laboratórios em São Paulo", diz ele, que não quis mencionar os nomes por questões éticas.
O professor de ginecologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Sérgio Mancini Nicolau também encaminha as pacientes para laboratórios que têm profissionais "conhecidamente muito competentes" na área específica que precisa ser avaliada.
"Existem muitos profissionais assim em vários laboratórios diferentes e mesmo que determinado laboratório seja excelente, pode ser que o profissional que queremos esteja em outro." Ele diz que os problemas que já teve se restringiram a falhas de digitação.
Na opinião de Aldemir Soares, há mais chances de erros quando os laboratórios, por contenção de custos, encolhem os protocolos de segurança para tornar o processo mais rápido. "Por exemplo, como os convênios pagam pouco pelo exame, há tendência de usar menos contraste do que o recomendável. Isso leva a falhas nos filmes", comenta.
Aliado a isso está a capacitação do profissional. Por força de mercado, alguns centros radiológicos empregam mão-de-obra barata, ou seja, médicos recém-formados, com pouca experiência, para realizar e interpretar os exames.
Para Wilson Shcolnik, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, hoje há recursos seguros para monitorar e controlar todo o processo de exames e a grande maioria dos laboratórios já os utiliza. Shcolnik afirma que a informatização diminui muito os erros de digitação e de identificação das amostras.
Na sua opinião, muitas das alterações encontradas nos exames são causadas porque o paciente não fez o preparo correto recomendado -por exemplo, não respeitou o jejum ou a recomendação de não tomar bebida alcoólica nos dias anteriores ao exame- ou omite informações importantes, como se está com gripe ou outra doença infecciosa.
(CLÁUDIA COLLUCCI)


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