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MOACYR SCLIAR
amor.perdido@uol.com.br
Desconfiado usa software para vigiar
parceiro. Se você é casado ou casada,
cuidado com o que ou para quem
anda teclando pela internet. A figura
do tradicional detetive disfarçado está sendo substituída por programas
capazes de coletar informações sobre
infidelidades reais ou virtuais de um
casal. Alguns desses espiões eletrônicos podem rastrear e-mails em tempo real. Ou seja, é possível saber o que o internauta está teclando.
Folha Informática, 6.ago.03
Alguns homens sabem que
o casamento vai mal quando a mulher começa a se ausentar
muito de casa. Outros, quando a
surpreendem cochichando ao telefone. No caso de Anselmo foi diferente. Suas suspeitas surgiram
quando notou que Adélia passava muito tempo no computador.
Na verdade, já fazia muito tempo que as relações entre ambos vinham se deteriorando. Falavam
pouco, e por monossílabos. Quase
não se olhavam. E quando iam
para a cama cada um virava para seu lado, sem ao menos um
boa-noite. A situação poderia ter
permanecido nesse estado de fria
indiferença, não fosse aquela coisa do computador. Até então
Adélia quase não usara o equipamento, que o marido lhe comprara um ano antes; não sou muito
de informática, dizia. Mas, se não
era de informática, por que agora
teclava sem parar? O que estava
escrevendo? Um diário? Um livro?
Ou mensagens para alguém? Anselmo não sabia e, naturalmente,
não queria interrogar a mulher.
Como, então, desvendar aquele
mistério?
A resposta veio através de um
artigo de jornal. Falava de programas que funcionavam como
verdadeiros espiões eletrônicos,
rastreando e-mails. Anselmo não
hesitou. Encomendou um desses
programas, instalou-o em seu
computador. E, naquela noite,
quando Adélia fechou-se em sua
sala para a misteriosa digitação,
ele estava a postos para controlá-la. O texto que apareceu na tela
confirmou suas piores suspeitas:
era uma mensagem de amor.
Uma tórrida mensagem de amor,
que não apenas o deixou louco de
ciúmes como o surpreendeu: era
uma Adélia que ele não conhecia,
a autora daquelas linhas. Uma
mulher que tinha dentro de si um
vulcão de paixões, com um destino certo: o titular do e-mail
amor.perdido@uol.com.br. Agora: quem seria esse homem? Que
tipo de ligação manteria com
Adélia? Isso era o que Anselmo
precisava descobrir, e, sem
poder se conter, invadiu a sala dela, levando a mensagem impressa. Eu já sei de tudo, gritou, quero
que você me diga quem é esse
tal de Amor Perdido. Ela o olhou,
calma e triste. Sou eu mesma,
respondeu.
O endereço eletrônico era dela.
E era a si própria que mandava
mensagens de amor, com as palavras que já não ouvia do marido.
Soluçando, ele tomou-a nos braços, pediu-lhe perdão.
Agora vivem muito bem. A relação entre ambos é respeitosa, carinhosa mesmo. Mas a verdade é
que de vez em quando assalta-o
um esquisito desejo. O desejo de
mudar seu antigo e-mail para
amor.perdido@uol.com.br.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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