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São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2003

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MOACYR SCLIAR

amor.perdido@uol.com.br

  Desconfiado usa software para vigiar parceiro. Se você é casado ou casada, cuidado com o que ou para quem anda teclando pela internet. A figura do tradicional detetive disfarçado está sendo substituída por programas capazes de coletar informações sobre infidelidades reais ou virtuais de um casal. Alguns desses espiões eletrônicos podem rastrear e-mails em tempo real. Ou seja, é possível saber o que o internauta está teclando.
Folha Informática, 6.ago.03

Alguns homens sabem que o casamento vai mal quando a mulher começa a se ausentar muito de casa. Outros, quando a surpreendem cochichando ao telefone. No caso de Anselmo foi diferente. Suas suspeitas surgiram quando notou que Adélia passava muito tempo no computador.
Na verdade, já fazia muito tempo que as relações entre ambos vinham se deteriorando. Falavam pouco, e por monossílabos. Quase não se olhavam. E quando iam para a cama cada um virava para seu lado, sem ao menos um boa-noite. A situação poderia ter permanecido nesse estado de fria indiferença, não fosse aquela coisa do computador. Até então Adélia quase não usara o equipamento, que o marido lhe comprara um ano antes; não sou muito de informática, dizia. Mas, se não era de informática, por que agora teclava sem parar? O que estava escrevendo? Um diário? Um livro? Ou mensagens para alguém? Anselmo não sabia e, naturalmente, não queria interrogar a mulher. Como, então, desvendar aquele mistério?
A resposta veio através de um artigo de jornal. Falava de programas que funcionavam como verdadeiros espiões eletrônicos, rastreando e-mails. Anselmo não hesitou. Encomendou um desses programas, instalou-o em seu computador. E, naquela noite, quando Adélia fechou-se em sua sala para a misteriosa digitação, ele estava a postos para controlá-la. O texto que apareceu na tela confirmou suas piores suspeitas: era uma mensagem de amor. Uma tórrida mensagem de amor, que não apenas o deixou louco de ciúmes como o surpreendeu: era uma Adélia que ele não conhecia, a autora daquelas linhas. Uma mulher que tinha dentro de si um vulcão de paixões, com um destino certo: o titular do e-mail amor.perdido@uol.com.br. Agora: quem seria esse homem? Que tipo de ligação manteria com Adélia? Isso era o que Anselmo precisava descobrir, e, sem poder se conter, invadiu a sala dela, levando a mensagem impressa. Eu já sei de tudo, gritou, quero que você me diga quem é esse tal de Amor Perdido. Ela o olhou, calma e triste. Sou eu mesma, respondeu.
O endereço eletrônico era dela. E era a si própria que mandava mensagens de amor, com as palavras que já não ouvia do marido. Soluçando, ele tomou-a nos braços, pediu-lhe perdão.
Agora vivem muito bem. A relação entre ambos é respeitosa, carinhosa mesmo. Mas a verdade é que de vez em quando assalta-o um esquisito desejo. O desejo de mudar seu antigo e-mail para amor.perdido@uol.com.br.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.

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