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São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2003

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SEGURANÇA

Medida transfere delegados do plantão noturno para investigação; mudança provoca lentidão no atendimento

Projeto desfalca delegacias à noite em SP

Tuca Vieira/Folha Imagem
A.D.S., que esperou dez horas no 39º DP, na zona norte de SP, para poder denunciar o homem que tentou estuprar sua filha de 11 anos


GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um projeto piloto que está em andamento em 25 dos 93 distritos policiais de São Paulo à noite e nos finais de semana tem provocado episódios de demora no atendimento à população, além de aumento da permanência nas delegacias de policiais militares, que poderiam estar nas ruas. Em um dos casos, o crime demorou 11 horas para ser registrado.
O novo sistema está sendo testado em distritos da seccional leste, há seis meses, e da seccional norte, desde o começo do mês. Nele, um "delegado itinerante" responde por três ou quatro distritos no mesmo horário de plantão.
Isso ocorre à noite -das 20h às 8h do dia seguinte- nos dias da semana ou no atendimento nos finais de semana. O normal é um delegado plantonista por distrito.
O projeto ganhou apelidos dados pelos próprios policiais: "Corujão" à noite e "Andorinha", nos finais de semana. Nos dois casos, o delegado se desloca entre três ou quatro distritos para fazer as ocorrências.
O objetivo, segundo a Polícia Civil, é transferir parte dos delegados que fazia plantão noturno ou no final de semana para o serviço de investigação durante o dia e aumentar o índice de esclarecimento de crimes.
O problema, porém, pode surgir no registro de flagrantes -com prisões e apreensões- e homicídios, que exigem a presença do delegado. Um delegado da seccional da área também fica de sobreaviso e pode ser acionado, mas ele tem uma área de 12 a 13 DPs para apoiar.
Casos mais simples podem ser registrados pelo escrivão. Mas se vários flagrantes ocorrerem ao mesmo tempo na área de um delegado plantonista, o resultado pode ser demora no atendimento.
Foi o que aconteceu no 38º DP (Vila Amália), na zona norte, no último dia 3. Duas testemunhas, dois PMs e um preso chegaram ao distrito às 2h50. O caso era de ameaça e porte ilegal de arma.
Mas não havia delegado. O plantonista responsável pelo "Corujão" estava no 74º DP (Parada de Taipas) e o delegado da seccional estava no 45º DP (Brasilândia). Eles registravam três homicídios e três prisões em flagrante.
"É à noite que o bicho pega. Pagamos impostos e é um absurdo a gente chegar na delegacia e não ter nem delegado", disse a comerciante Márcia Milho Ferreira, 40, uma das testemunhas.
Os dois PMs e as testemunhas saíram do 38º DP às 14h10 -11 horas e 20 minutos depois-, segundo o capitão Carlos Alberto Paulino, comandante da 3ª Companhia do 9º Batalhão da PM.
"Nossa preocupação é que policiais, que podiam estar patrulhando as ruas, fiquem muito tempo nos distritos", disse o capitão Paulino. Ele fez um relatório sobre o caso e sobre o novo sistema implantado nos DPs, que chegou ao batalhão e depois foi enviado ao comando da PM. A orientação é continuar a levar os casos aos distritos e esperar.
Em um relatório ao qual a Folha teve acesso, um delegado narra a seu superior um plantão tumultuado, com vários flagrantes, e fala do receio do descontentamento da população e de manifestações da Polícia Militar.
Para o advogado criminalista e doutor em direito penal Luiz Flávio Gomes, o projeto experimental implantado nos DPs não infringe a legislação processual. Mas ele disse que casos de demora no atendimento podem aumentar ainda mais as taxas de subnotificação de crimes. Ele também afirmou que é preciso ter cuidado principalmente na realização dos flagrantes. "O delegado tem de estar todo o tempo presente. Se tentar acompanhar à distância em algum momento, o flagrante pode ser anulado pela Justiça."


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