São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2008

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Campanha já tem apoio de 400 empresas

ONG de combate à exploração sexual infantil busca apoio de empresas que lidam com o transporte rodoviário de cargas

Uma das estratégias usadas no treinamento é fazer o caminhoneiro se imaginar como o pai das dessas crianças e adolescentes

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Em dois anos, a organização não-governamental fundada no Brasil pela rainha Silvia, da Suécia, conseguiu transformar 400 mil caminhoneiros -aproximadamente 20% do total no país- em parceiros no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Batizada de Na Mão Certa, a campanha é feita, desde 2006, pela ONG Childhood Brasil, que tem sede em São Paulo. A Childhood Brasil faz parte da rede internacional WCF.
Os caminhoneiros são o alvo porque, segundo um mapeamento realizado pela Polícia Rodoviária Federal, as estradas federais têm perto de 2.000 pontos vulneráveis à exploração comercial de crianças e adolescentes. São principalmente postos de gasolina, bares, restaurantes e motéis.
"O caminhoneiro é vilão na história? Em alguns casos, pode até ser. O que queremos é que ele se torne agente de proteção, que denuncie casos de exploração sexual", afirma Ana Maria Drummond, diretora-executiva da Childhood Brasil.
Para chegar aos caminhoneiros, a ONG buscou o apoio de empresas que lidam com o transporte rodoviário de cargas -de fabricantes de cimento a lojas de roupa, de seguradoras de carga a transportadoras de alimento. Atualmente, 400 empresas participam.

Multiplicadores
Os trabalhos começam com a capacitação de funcionários dessas empresas. Conhecidos como multiplicadores, eles recebem da Childhood Brasil informações sobre a exploração sexual infantil: que tipo de crime é esse, quais são as penas previstas na lei e como fazer a denúncia às autoridades.
Depois disso, os multiplicadores reúnem os caminhoneiros da respectiva empresa numa sala ou num auditório para repassar as informações. "Percebi que a maior parte deles não tinha consciência da gravidade do problema. Como vêem essa realidade todo dia, toda hora, a situação fica como uma parte da paisagem, quase natural", afirma Adriana Neves, uma das diretoras da Confenar (confederação das revendedoras das bebidas da Ambev).
Um dos materiais utilizados nessas palestras é a pesquisa que embasa o programa Na Mão Certa. É uma espécie de censo dos caminhoneiros. No final de 2004, psicólogos da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) entrevistaram 239 caminhoneiros nas cinco regiões do país.
Em média, os caminhoneiros têm 15 anos de profissão e passam 20 dias por mês na estrada. A maior parte admite sair com prostitutas (60%) e não sabe o número do telefone para denunciar exploração sexual de crianças e adolescentes (67%).
A pesquisa mostrou ainda que 16,5% dos caminhoneiros concordam que "meninas com menos de 18 anos podem se prostituir se quiserem".
O caminhoneiro Sebastião (nome fictício), 46, que trabalha nas regiões de São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, interior de São Paulo, diz que vê com freqüência adolescentes se oferecendo aos motoristas.
"Já aconteceu de uma menina de 15 anos bater na porta do meu caminhão. O programa custava R$ 30", ele lembra. "Eu disse: "Você é nova. Por que não procura um emprego?". Ela não se importou. Virou as costas e foi embora. A situação é triste."
Uma das estratégias dos multiplicadores é fazer os caminhoneiros se imaginarem como pais dessas crianças e adolescentes. "É nesse momento que eles mais ficam chocados", diz a diretora da Confenar.
Nos encontros, eles aprendem que as denúncias podem ser feitas, de forma anônima, pelo Disque 100, linha telefônica gratuita do governo federal.
O passo seguinte é fazer com que os próprios caminhoneiros passem os esclarecimentos adiante, aos colegas de estrada.

Iniciativas
Participante do programa Na Mão Certa, a Votorantim Cimentos movimenta a cada dia cerca de 5.000 caminhões em todo o país. Recentemente, incluiu nos contratos com as transportadoras terceirizadas uma cláusula que as obriga a oferecer aos caminhoneiros cursos de esclarecimento sobre a exploração sexual.
"Esse é um problema social grave do Brasil, uma realidade que não se muda de uma hora para a outra. Por isso, o processo precisa ser contínuo, diário", afirma Fred Fernandes, diretor de logística da empresa.
A rede de lojas de roupa C&A deu às transportadoras parceiras adesivos que pedem que a exploração sexual seja denunciada. Colados nos caminhões, os adesivos foram apelidados de "espanta cafetão" pelos motoristas.
Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres, o Brasil tem cerca de 1,83 milhão de veículos de carga.


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