São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Segurança em concursos públicos é falha

Para especialistas, falta de fiscalização em empresas organizadoras das provas é uma das principais causas de problemas

Durante todo o ano de 2009, 5 milhões de pessoas terão participado dos concursos públicos no Brasil para disputar 120 mil vagas

ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O fracasso do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), e a descoberta de que uma prova aplicada a 4,1 milhões de estudantes tinha um esquema de segurança tão frágil, não foi exatamente uma surpresa para quem se dedica integralmente a uma vaga no serviço público.
Denúncias de fraudes, favorecimento de candidatos e ameaças de anulação de provas fazem parte da rotina dos "concurseiros" assim como cursinhos e apostilas.
Não há uma única explicação para tal vulnerabilidade, mas a falta de controle sobre as empresas que vivem de organizar concursos públicos é a mais costumeira delas.
É o que ensinam casos recentes e o que relatam advogados que militam na área e, sobretudo, promotores e procuradores do Ministério Público ouvidos pela Folha. São eles os encarregados de mover ações coletivas em nome de quem se sinta prejudicado num concurso.
Este gigantesco mercado -cerca de 5 milhões de pessoas farão pelo menos um concurso público este ano, na disputa por quase 120 mil vagas- é praticamente desconhecido das autoridades.
O governo federal (maior provedor de vagas) não sabe a quem pertencem nem quantas são essas empresas organizadoras. Administrações estaduais e municipais, tampouco.
Ao percorrer contratos com o poder público e portais voltados para os concurseiros, a Folha identificou 195 empresas que cuidam da logística dos exames -muitas delas sequer possuem página na internet. A maioria atua em pequenos municípios, onde são mais comuns -e mais grosseiras-as fraudes.

Prefeita afastada
Ano passado, a prefeita de Campestre da Serra (RS), Orenia Goeltzer, foi flagrada combinando com os organizadores do concurso para a prefeitura os nomes das pessoas que deveriam ser aprovadas e as respectivas classificações. Ela acabou afastada do cargo.
A empresa envolvida neste concurso, Marcesa Serviços, além de outras de pequeno porte que atuavam na região, são suspeitas de terem cometido irregularidades em pelo menos 35 concursos no interior do Rio Grande do Sul.
Em Itabela (BA), entre os aprovados para cargos municipais havia parentes de servidores. Um deles, analfabeto. Depois da intervenção do MP da Bahia, o concurso foi anulado.
"Nos pequenos lugares, concursos já nascem fraudados. Empresas são criadas especificamente para isso", diz o advogado José Vânio Sena, presidente da Associação Brasileira de Candidatos a Concursos Públicos, sem citar exemplos.
Hoje, não há uma lei que regulamente a realização de concursos públicos. Cada órgão estabelece as regras da seleção que abrir, seguindo apenas as normas que regem a contratação de qualquer empresa privada pelo poder público.
Segundo especialistas, a existência de uma lei que considere as questões de segurança envolvidas na organização de um concurso é uma oportunidade de ouro para eliminar do mercado empresas de fundo de quintal e com ficha suja, hoje livres de filtros específicos.

Certificado de qualidade
Há quem defenda um certificado de qualidade, que passaria a ser exigido em licitações. "Seria dado a quem aplicou tantos concursos e não foi alvo de processos", exemplifica o procurador regional da República Oswaldo José Barbosa Silva.
Apesar de defender a certificação, Barbosa Silva, com larga experiência no assunto, é voz destoante. Para ele, os concursos públicos são seguros: "Se você considerar a quantidade de provas no país, não são tantas denúncias assim. Todo candidato é um fiscal natural".
Algumas fundações não lucrativas, com tradição na organização de seleções, como Carlos Chagas e Cesgranrio, gozam de maior credibilidade no meio. Mas nem elas estão livres de suspeitas.
Em 2005, num dos casos mais rumorosos envolvendo concursos, o Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos), ligado à Universidade de Brasília, foi alvo da Operação Galileu, da Polícia Federal, que prendeu 82 pessoas acusadas de fraudar provas em cinco Estados.
Candidatos admitiram ter pago até R$ 40 mil para ser aprovados. Disseram ter recebido, por telefone, o gabarito da prova e o tema da redação três dias antes do teste. Em nota, o Cespe informou que tem investido alto em segurança.
No governo federal, a abertura de concurso tem que ser autorizada pelo Ministério do Planejamento, por razões meramente orçamentárias.
O Ministério da Educação informou não ter uma proposta para a regulamentação dos concursos.


Texto Anterior: Há 50 Anos
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.