São Paulo, terça, 12 de janeiro de 1999

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Feito uma mulher nua em tempos de vendaval

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Minas é que tocou na ferida: mostrou que o equilíbrio institucional é fragilíssimo, tirou os panos quentes. Saem US$ 100 milhões do país hoje, saíram US$ 300 milhões ontem, foram-se bilhões outro dia mesmo. E é um corre-corre, um tapa daqui, um esconde dali, um ajeita daqui, um engendra dali. Vai Minas e puxa um único palito em falso e faz desabar o joguinho de varetas, faz ruir o castelo de cartas.
Chocante o poder da oposição de Minas (do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso do Sul, do Acre e até de São Paulo, afinal todos se lembram das relações conturbadas de Mário Covas com o governo FHC, embora hoje Covas pondere). O verdadeiro resultado das eleições deu-se agora, com a moratória de Minas. Ficaram os fortes de um lado, os fracos do outro. Os fortes são os Estados ricos, que, se quiserem, não compõem com a colcha de retalhos da pífia "base de sustentação" do governo FHC. Os fracos são os outros, os governistas dependentes, "bajuladores", como disse o governador de Minas.
Por mais que pesem interesses e vaidades pessoais do governador Itamar Franco na decretação da moratória de Minas, não deixa de ser impressionante que uma única atitude de nacionalismo econômico vire o país (e as Bolsas do mundo) de ponta-cabeça.
A coragem de Minas! Minas é assim: está em todos os lugares, porque está onde sempre esteve, um amigo meu, mineiro, brinca. Minas fica quieta, quieta, quieta... Até que um dia explode: não pago, não pago e não pago! Minas se agita detrás das montanhas, defende seu ouro dos emboabas. Minas é nossa inconfidência.
Então deram para censurar Minas, como se Minas fosse uma subversiva inconsequente. Acontece que Minas é uma senhora digna de muito respeito, uma escritora Guimarães Rosa, um poeta Carlos Drummond de Andrade. Deram para censurar Minas!
Minas é nosso impasse, é nosso meio do mundo. É um trem, sô!, uma locomotiva puxando o mundo para o fim dele mesmo: "sorôco (seu louco), sua mãe e sua filha" e todos esses loucos presidentes, governadores, ministros da economia, "essezins, essezinhos", gente louca que se acha sã.
Com Minas é assim mesmo: "pão ou pães, é questão de opiniães..." Minas é a nossa montanha e o nosso sertão: "Sim, se os cimos -onde a montanha abre asas- e as infermas grotas, abismáticas, profundíssimas". Minas diz: "Nada e a nossa Condição". Tudo isso pela voz do maior escritor brasileiro, e mineiro, João Guimarães Rosa. "O mar não tem desenho", dizia ele. "O vento não deixa. O tamanho..." O Brasil é o mar que Minas não tem.
O Brasil está como saia de mulher ao vento: é segura daqui, abaixa dali, censura daqui, censura dali, tapa daqui, esconde dali. De nada adianta.
Vem Minas e dá um soprão: mostra que o tempo é de vendaval, que a mulher é sem-vergonha e está nua. Minas não fez nada demais, a não ser soltar "o diabo na rua, no meio do redemunho...". O redemunho já vivemos, já existe, já é. O demônio são os outros.


E-mail: mfelinto@uol.com.br



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