São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2005

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LETRAS JURÍDICAS

Falsificação documental contra o comércio de rua

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Tenho a impressão de que passou quase despercebida uma recente alteração de Código Penal (lei nš 11.035) que vai atingir os comerciantes e, em particular, a vida dos atuadores do comércio informal, nas grandes e pequenas cidades.
A nova lei atinge, entre outros efeitos, mercadorias vendidas nas ruas desacompanhadas de documentação mercantil comprobatória de sua licitude e bens de consumo havidos por contrabando ou receptação. Cláudio Fonteles, procurador-geral da República, disse que o Ministério Público luta contra o crime organizado e não contra os "bagrinhos" do descaminho ou de delitos do comércio de rua, mas o texto da nova legislação sugere coisa diversa. A fatal atração das câmaras de televisão pelas correrias de camelôs e marreteiros vai inspirar muitas diligências.
Receptação é delito conhecido. Seus praticantes usuais não têm dúvida quanto ao enquadramento no artigo 180 do Código Penal. Consiste em adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir, para que terceiro, de boa fé, a adquira, receba ou oculte. A pena é de reclusão de um a quatro anos e multa.
Contrabando, o primo rico do descaminho, também é conhecido, na forma definida pelo artigo 334 do Código Penal. Pode "pegar" de um a quatro anos quem importa ou exporta mercadoria proibida ou não faz, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadorias.
A capitulação dos crimes relacionados com a falsidade de títulos e outros papéis públicos foi ampliada. Explico melhor, a finalidade explícita da lei diz respeito à falsificação de papéis públicos (artigo 293 do Código): antes se referia a selo postal, agora alude à falsificação de selo, sem o adjetivo. Sujeita-se a pena de dois a oito anos de reclusão e multa não apenas quem usa os papéis referidos, mas também quem guarda, possui ou detém qualquer deles. Cai no mesmo enquadramento, quem importa, exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda, fornece ou restitui à circulação selo falsificado, destinado a controle tributário, no exercício de atividade comercial ou industrial, produto ou mercadoria. Enfim, a regra se aplica aos casos em que a legislação tributária determina a obrigatoriedade do controle. Quem a desobedecer pode ser condenado a quatro anos de reclusão.
Volto à primeira frase deste comentário para dizer que o novo parágrafo quinto do artigo 293 parece destinado aos sacoleiros e camelôs. Equipara a atividade comercial (ou seja, sujeita à mesma punição), qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em vias, praças ou outros logradouros públicos e até mesmo em residências. Considerando que há número indeterminado, mas certamente grande, de pessoas comuns do povo que, premidas pelas circunstâncias da vida, atuam como sacoleiras, marreteiros e camelôs (que para grande parte deles nada tem de criminosa), será sempre melhor preferir o ganho menor, mas com a atuação observando as exigências da nova lei. Será modo de evitar aborrecimentos e prejuízos. Eles conhecem, mais que a maioria, certas pressões, nem sempre lícitas, a que são submetidos.


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