São Paulo, domingo, 12 de março de 2000


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GILBERTO DIMENSTEIN
O jornalista vai ao paraíso

Quando o veterano jornalista Ancelmo Gois deixou, este ano, a influente coluna Radar, uma das melhores atrações da revista Veja, para se dedicar apenas a um site na Internet, a categoria se debruçou em especulações sobre o novo patamar de salários e benefícios na imprensa.
Essa mudança é apenas um dos ingredientes das animadas conversas nas redações sobre o terremoto no mercado editorial brasileiro -especialmente em São Paulo.
Fofocas e rumores, com indisfarçável ponta de inveja, sobre salários alheios mostram uma situação curiosa: a categoria profissional mais veloz em detectar crises e conflitos, para quem, no geral, má notícia é boa notícia, mais próxima do pessimismo do que do otimismo, está com pelo menos um pé no paraíso.
Raras vezes se testemunhou um momento com tantas boas notícias para o jornalista, com a abundância de ofertas de empregos, destoando das seguidas manchetes sobre a média nacional de desemprego.
Seria apenas uma bolha criada pelos monumentais investimentos da Internet, com seus milionários sites à procura, desesperada, de conteúdo?

 

Até certo ponto, provavelmente. Mas a tendência veio para ficar e não diz respeito apenas aos comunicadores, mas ao crescimento veloz da indústria do conhecimento.
Esse mercado inclui desde os sites de automobilismo, passando por novos jornais e revistas, até cursos de reciclagem profissional e ensino à distância.
O mercado está, nesse momento, em chamas porque surge um novo jornal, união dos grupos Folha e Globo, batizado de "Valor", forçando movimentos dos concorrentes como a "Gazeta Mercantil".
Empresas de Internet se digladiam para garantir espaço no futuro, oferecendo acesso grátis e conteúdo atrativo; saem à cata de talentos nas redações e faculdades de comunicação. Estimativas da consultoria Andersen Consulting são que, nos próximos dois anos, a Internet vá gerar cerca de 2 milhões de vagas; hoje seriam 300 mil empregos.
Os grupos de comunicação planejam lançar novos portais; alguns deles com data para sair, como o Globo.com.
Busca-se, então, mão-de-obra qualificada, com nível de conhecimento universitário, numa nação com uma reduzidíssima elite intelectual.

 

O mercado de comunicação se aqueceu com o surgimento de mais uma revista semanal ("Época"), obrigando investimentos de seus concorrentes. A nova revista ganhou centenas de milhares de assinantes, mas as concorrentes não perderam.
Publicações especializadas surgiam sem parar e muitas conseguiram ficar de pé, do tipo "República" e "Bravo".
Some-se, aí, o crescimento das TVs por assinatura, requisitando mais profissionais.

 

Demonstra a história que as novas fronteiras econômicas levam a uma corrida na qual muitos perdem. É, certamente, o que vai acontecer com a Internet. Há sites em excesso para pouco leitor; há informação disponível em excesso para pouco alfabetizado funcional.
O que está por baixo, porém, é consistente, reflexo do enriquecimento da sociedade brasileira. É desigual, óbvio, mas é enriquecimento.
Essa é a boa notícia que passa despercebida pela imprensa, sempre mais ágil em perceber crises do que soluções. A diversificação dos gostos do leitor é uma das consequências, de um lado, do crescimento da classe média e, de outro, de mais gente com escolaridade. A tradução é a demanda por conhecimento.
Só não cresce mais rápido porque vivemos uma crônica crise cognitiva; comparados com a população geral, ainda são poucos os que entendem o que lêem.

 

Tenho dito, aqui nesta coluna, e vou repetir: não há dado mais relevante para se medir as perspectivas brasileiras do que o aumento em 10% por ano dos ensinos médio e superior.
Se convertermos em número o que significam os 10%, apenas no ensino médio são mais 700 mil novas matrículas.
É ainda pouco percentualmente, mas em termos absolutos é gigantesco.
Mais velozmente se expandem os programas de reciclagem profissional e MBAs oferecidos pelas universidades e o mercado de conferências, trazendo expoentes, com cachês milionários, da Europa e, em especial, dos Estados Unidos.
Universidades norte-americanas e européias, de olho nesse filão, firmam parcerias com grupos brasileiros, vendendo ensino à distância.
Quando se analisam os números da realidade social brasileira, vemos que ainda há muito a percorrer, muita gente para educar -e, por consequência, muito conteúdo para produzir.
Por isso, e só por isso, que essa onda veio para ficar.

PS - Para aprofundar os dados sobre Internet e mercado de trabalho dentro e fora do Brasil, o leitor vai encontrar um dossiê com artigos e reportagens no UOL (http://www.aprendiz.com.br).

E-mail: gdimen@uol.com.br


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