São Paulo, segunda-feira, 12 de março de 2007

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MOACYR SCLIAR

Prêmio e castigo

O troféu tinha sido roubado por um pesquisador. Movera-o não a ganância, mas sim a inveja, o ressentimento

Prêmio Nobel é furtado de uma vitrine em universidade na Califórnia.
Um Prêmio Nobel ganho pelo físico norte-americano Ernest O. Lawrence foi furtado de uma vitrine da Universidade de Berkeley (Califórnia), segundo informou a polícia.
O troféu, avaliado em US$ 4.200 (cerca de R$ 8.800), corresponde ao primeiro Nobel ganho por um membro desta universidade, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos.
"Tem ouro de 23 quilates, data de 1939 e tem vários desenhos que são únicos deste prêmio moderno", indicou um porta-voz da polícia.
O físico norte-americano ganhou o Prêmio Nobel por sua invenção e utilização do ciclotron, e depois pela separação de isótopos de urânio no chamado Projeto Manhattan, cujo objetivo final era o desenvolvimento da primeira bomba atômica. As autoridades até agora não têm nenhum suspeito.

Folha Online

A POLÍCIA suspeitava que o autor do roubo fosse um ladrão comum. Afinal, o troféu tinha uma boa quantidade de ouro de 23 quilates que, derretido, renderia apreciável soma. Mas a polícia estava enganada. O troféu tinha sido roubado por um conhecido pesquisador. Movera-o não a ganância mas sim a inveja, o ressentimento.
Porque, em sua opinião, a concessão daquele Nobel fora um erro.
Sim, reconhecia que o físico premiado tinha alguns trabalhos interessantes, mas nada que justificasse uma distinção de tal monta. Se alguém merecia o prêmio, era ele.
Não o conseguira porque simplesmente não sabia trabalhar para isso; não se promovia o suficiente, não se relacionava com pessoas influentes.
Ao contrário, homem irascível, muitas vezes fora preterido em distinções semelhantes. Por fim sua raiva chegara ao auge e decidira fazer justiça por suas próprias mãos. Roubara o troféu.
Em casa, onde morava sozinho (recentemente divorciara-se pela quarta vez), passava horas contemplando o precioso objeto. E, ao contrário do que imaginara, não se sentia vingado. Ele queria o Nobel, mas queria o Nobel por seu trabalho, um Nobel que representasse o reconhecimento do mundo por seu trabalho.
Tinha um projeto para isso: uma investigação sobre uma obscura partícula subatômica, coisa revolucionária. Tudo o que ele precisava fazer era levar o trabalho adiante.
Pôs mãos à obra, conseguiu os recursos e levou o trabalho adiante, com a ajuda de um dedicado colaborador, aliás tão neurótico quanto ele.
Seu esforço foi recompensado: ele ganhou o Prêmio Nobel. Foi recebê-lo e, depois de todas as festas e homenagens, levou-o para casa.
Lá, guardou-o junto com o outro troféu, o roubado. Os dois eram, claro, idênticos.
E daí resultou um novo problema, um problema que provavelmente vai atormentá-lo pela vida afora. Ele não sabe qual é o seu Nobel e qual é o Nobel roubado. Se conseguisse identificá-los, até devolveria o troféu que não era seu. Mas, como não o consegue, fica com os dois. Não quer cometer esse erro.
Todas as noites ele olha os dois troféus. E todas as noites se recrimina pelo que fez. A vida às vezes nos premia. Mas a vida nos castiga também.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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