|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
Prêmio e castigo
O troféu tinha sido roubado por um pesquisador. Movera-o não a ganância, mas sim a inveja, o ressentimento
Prêmio Nobel é furtado de uma vitrine
em universidade na Califórnia.
Um Prêmio Nobel ganho pelo físico norte-americano Ernest O. Lawrence foi
furtado de uma vitrine da Universidade
de Berkeley (Califórnia), segundo informou a polícia.
O troféu, avaliado em US$ 4.200 (cerca
de R$ 8.800), corresponde ao primeiro
Nobel ganho por um membro desta universidade, uma das mais prestigiadas
dos Estados Unidos.
"Tem ouro de 23 quilates, data de 1939 e
tem vários desenhos que são únicos deste prêmio moderno", indicou um porta-voz da polícia.
O físico norte-americano ganhou o Prêmio Nobel por sua invenção e utilização
do ciclotron, e depois pela separação de
isótopos de urânio no chamado Projeto
Manhattan, cujo objetivo final era o desenvolvimento da primeira bomba atômica. As autoridades até agora não têm
nenhum suspeito.
Folha Online
A POLÍCIA suspeitava que o autor do roubo fosse um ladrão
comum. Afinal, o troféu tinha
uma boa quantidade de ouro de 23
quilates que, derretido, renderia
apreciável soma. Mas a polícia estava enganada. O troféu tinha sido
roubado por um conhecido pesquisador. Movera-o não a ganância mas
sim a inveja, o ressentimento.
Porque, em sua opinião, a concessão daquele Nobel fora um erro.
Sim, reconhecia que o físico premiado tinha alguns trabalhos interessantes, mas nada que justificasse
uma distinção de tal monta. Se alguém merecia o prêmio, era ele.
Não o conseguira porque simplesmente não sabia trabalhar para isso;
não se promovia o suficiente, não se
relacionava com pessoas influentes.
Ao contrário, homem irascível, muitas vezes fora preterido em distinções semelhantes. Por fim sua raiva
chegara ao auge e decidira fazer justiça por suas próprias mãos. Roubara o troféu.
Em casa, onde morava sozinho
(recentemente divorciara-se pela
quarta vez), passava horas contemplando o precioso objeto. E, ao contrário do que imaginara, não se sentia vingado. Ele queria o Nobel, mas
queria o Nobel por seu trabalho, um
Nobel que representasse o reconhecimento do mundo por seu trabalho.
Tinha um projeto para isso: uma investigação sobre uma obscura partícula subatômica, coisa revolucionária. Tudo o que ele precisava fazer
era levar o trabalho adiante.
Pôs mãos à obra, conseguiu os recursos e levou o trabalho adiante,
com a ajuda de um dedicado colaborador, aliás tão neurótico quanto ele.
Seu esforço foi recompensado: ele
ganhou o Prêmio Nobel. Foi recebê-lo e, depois de todas as festas e
homenagens, levou-o para casa.
Lá, guardou-o junto com o outro
troféu, o roubado. Os dois eram, claro, idênticos.
E daí resultou um novo problema,
um problema que provavelmente
vai atormentá-lo pela vida afora. Ele
não sabe qual é o seu Nobel e qual é o
Nobel roubado. Se conseguisse
identificá-los, até devolveria o troféu que não era seu. Mas, como não o
consegue, fica com os dois. Não quer
cometer esse erro.
Todas as noites ele olha os dois
troféus. E todas as noites se recrimina pelo que fez. A vida às vezes
nos premia. Mas a vida nos castiga
também.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
Texto Anterior: Chegam a 3 os mortos por bala perdida na última semana no Rio de Janeiro Próximo Texto: Consumo: Consumidora reclama de mau atendimento em cafeteria Índice
|