São Paulo, terça-feira, 12 de abril de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TERAPIA TRIBAL

Tratamento foi criado por índios da Amazônia

Uso de veneno de rã deixa floresta e ganha adeptos nas metrópoles

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O artista plástico Paulo Nilson é observado pelo cacique Ni-í após fazer aplicação de kambô no braço


AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Queimar a pele, raspar a ferida e sobre ela colocar a secreção de uma pequena rã verde, extremamente venenosa. Experimentar, em seguida, uma sensação de morte iminente e, minutos depois, uma grande sensação de bem-estar. A prática dos índios amazônicos saiu das florestas e agora ganha força nos grandes centros urbanos. Em São Paulo, uma aplicação de kambô -a "vacina do sapo"- pode ser obtida por cerca de R$ 100.
O número de pessoas que usam o kambô nas metrópoles não é mensurável, já que as sessões são promovidas de forma isolada por membros de diferentes grupos, mas é possível ter uma noção da procura pela prática a partir dos atendimentos feitos ao longo das últimas semanas pelo cacique curador Ni-í, da etnia katukina, em seu tour por capitais do Sudeste.
Ao longo da última semana, Ni-í realizou mais de 30 aplicações em São Paulo, além de quatro palestras sobre o tema. Em Belo Horizonte (MG), o cacique realizou cerca de 50 aplicações. A próxima parada é o Rio de Janeiro.
Após a aplicação do kambô, o organismo reage violentamente, com vômitos, náuseas e diarréia. Também há registro de inchaços, fechamento da glote e desmaios. Alguns usuários também relatam ter sentido um calor intenso, seguido de um frio congelante. O mal-estar costuma durar de cinco a 20 minutos. Depois, é sucedido por uma sensação de enorme bem-estar e vigor físico.
Entre os adeptos estão estudantes, profissionais liberais e artistas -de modo geral, pessoas já envolvidas com outras formas de medicina alternativa. E as propriedades terapêuticas associadas ao kambô não são poucas.
No panfleto distribuído pela Akac (Associação Indígena Katukina do Campinas), a substância, além de remédio espiritual, é indicada nos tratamentos de tendinite, dor de cabeça, asma, rinite, alergia, gastrite, úlcera, diabetes, hepatite, cirrose, epilepsia, infertilidade, depressão, dependência química e doenças cardíacas em geral, para citar apenas algumas das recomendações.
Como não há comprovação científica desses resultados, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) suspendeu há um ano qualquer tipo de propaganda do uso medicinal do kambô. De acordo com a assessoria do órgão, também está sendo providenciada a proibição do comércio da substância (leia texto abaixo).
"O kambô é um remédio milenar que a gente vinha mantendo escondido, mas agora é conhecido no mundo inteiro", explica Ni-í em uma das palestras, sempre munido de um cocar, apesar de vestir jeans e camiseta.
Ele começou a aplicar o kambô em pessoas de fora da aldeia há cinco anos. "O sentido é o seguinte: a gente tem esse remédio, não adianta curar só o nosso povo. Saí para esse trabalho para ajudar as pessoas que precisam de cura", diz o cacique, membro da Akac.
A questão econômica também influenciou a decisão. "Tem muitas pessoas por aí fazendo esse trabalho [relacionado ao kampô]. Quer fazer, então vamos para a aldeia, sou a favor disso. Não pode entregar [o conhecimento] sem retorno", afirma Sônia Menezes, terapeuta e aplicadora autorizada pela Akac. "Hoje em dia, eles [os índios] também têm que comprar coisas", acrescenta.
A comercialização gera polêmica dentro da própria aldeia, diz a antropóloga Edilene Coffaci de Lima, que estudou a cultura katukina em seu mestrado e doutorado na USP. "Essa é uma questão complicada para eles, porque, na concepção deles, a substância sozinha não tem efeito, ela transfere as qualidades do aplicador para quem recebe o kampô."


Texto Anterior: Saúde: Regra para remédio avulso pode mudar
Próximo Texto: Diz a lenda: Pajé descobriu a forma de aplicação ao ter uma visão
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.