São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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TÚNEL FANTASMA

CBPO e Constran receberam por colunas que não fizeram no Ayrton Senna; diante de prova, devolveram dinheiro

Laudo atesta fraude de R$ 6,8 mi em obra

Marcio Fernandes/Folha Imagem
Tráfego de carros no túnel Ayrton Senna, na zona sul de São Paulo, construído na gestão Maluf


SÍLVIA CORRÊA
CHICO DE GOIS

DA REPORTAGEM LOCAL

Laudo geológico feito pela empresa Lenc -Laboratório de Engenharia e Consultoria- evidencia que não existem no subsolo do Ibirapuera (zona sul de São Paulo) algumas colunas de concreto pelas quais o consórcio CBPO-Constran recebeu R$ 6,79 milhões nas obras do túnel Ayrton Senna.
O estudo foi encomendado pela Prefeitura de São Paulo em fevereiro de 2001 e entregue à Folha na semana passada. Nele fica claro que o consórcio cobrou por colunas, em média, quatro metros mais altas do que as que efetivamente construiu no subsolo.
Em pelo menos dois casos, se tivessem feito o serviço pelo qual cobraram, as construtoras teriam deixado dois postes -de 1,12 metro e 2,12 metros de altura- no meio da av. Pedro Álvares Cabral.
O túnel é uma das principais obras da gestão do pepebista Paulo Maluf (93-96) na Prefeitura de São Paulo. Orçado em R$ 450 milhões, custou R$ 2 bilhões aos cofres públicos -344% a mais.
Em duas ações judiciais, o Ministério Público acusa a gestão malufista e as empreiteiras de terem superfaturado a obra em pelo menos R$ 106,1 milhões -R$ 6,79 milhões referentes exatamente à inexistência das colunas.
Até o surgimento do laudo geológico, porém, as provas existentes nas ações limitavam-se a depoimentos e cálculos de custo.
Confrontado com o laudo, o consórcio CBPO-Constran simplesmente aceitou devolver o dinheiro aos cofres públicos. Não defendeu a existência das colunas nem admitiu a fraude. Além disso, aceitou a extinção do contrato -para o qual, devido às irregularidades, a Justiça já limitara os pagamentos a depósitos judiciais.
Antes de o laudo geológico ser concluído, as empresas pediam à prefeitura uma indenização pela paralisação das obras. À Folha, o consórcio disse que vai requisitar uma perícia oficial do caso.
Tecnicamente, as colunas de concreto são resultado de um processo de fortalecimento do solo batizado de "jumbo grouting" -uma injeção de cimento com água em vários pontos do solo para evitar desabamentos na obra.
Na opinião da atual direção da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização) -hoje nas mãos do PT, que administra a capital paulista- e do Ministério Público, o estudo geológico é a primeira "prova cabal de que houve superfaturamento no túnel".
"É prova material, não raciocínio técnico", resume o presidente da Emurb, Maurício Faria.
O governo petista conhece o resultado do laudo desde março do ano passado. A oposição ao PT na Câmara Municipal, desde agosto. Apesar disso, nenhum dos lados se esforçou para utilizar a tal "prova cabal" na aprovação da CPI das Grandes Obras, que nunca foi à votação em plenário.
O caso das colunas de concreto começou a vir à tona quando o Ministério Público requisitou as medições e as autorizações de pagamento das obras do túnel. Em uma delas -a de número 72-, a data e o valor haviam sido alterados -de 5 para 12 de agosto de 96 e de R$ 23,46 milhões para R$ 28,12 milhões, respectivamente. Na época, aumentavam o gasto em R$ 4,66 milhões -valor atualizado para R$ 6,79 milhões.
Rasuras em medições são comuns, mas no valor, não na data. Além disso, o engenheiro que deveria atestar a medição não havia dado seu visto na alteração.
Chamado a depor, ele disse ter se negado a assinar a alteração por ela ser incompatível com o que havia sido executado.
Também em depoimento, no entanto, os dois técnicos que atestaram a suposta execução das colunas mais altas disseram que as condições do terreno exigiram a alteração do projeto original.
É exatamente essa versão que é desmentida pelo laudo geológico ao qual a Folha teve acesso.
Feitos na pista centro-bairro do túnel -na altura da travessia da avenida Pedro Álvares Cabral e da rua Curitiba-, os trabalhos de sondagem e escavação mostraram em que profundidade estão os topos de 16 das 1.259 colunas projetadas. Em nenhum dos casos elas chegam tão perto do solo como quer fazer crer a alteração da medição. Ou seja: são menores do que a empresa diz ter construído. Em quatro delas nem o projeto original foi seguido (as colunas são menores ainda).
Em geral, constata o laudo, o procedimento adotado foi cobrar aleatoriamente quatro metros a mais por coluna, sem que o acréscimo fosse necessário nem real.
Os responsáveis pela alteração, porém, não se deram conta de que, considerada a altitude do terreno e a altitude que eles declaram estar o topo das colunas, pelo menos duas delas aflorariam do solo.
A Emurb concluiu em março a sindicância do caso. Dos sete citados pelo Ministério Público como responsáveis pela fraude -Maluf, Reynaldo de Barros (secretário de Vias Públicas), as duas empreiteiras e três técnicos que se envolveram nas medições-, dois continuavam na administração como funcionários da Emurb. Com quase 15 anos de serviço, ambos foram demitidos em 1º de abril por justa causa.



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