São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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TÚNEL FANTASMA

Pagamentos foram feitos pela CBPO em 96; montante pode ser o dobro, pois contrato é de janeiro de 95

Empresa de sapateiro recebeu R$ 16,1 mi

DA REPORTAGEM LOCAL

A Lavicen - Construções e Locações de Máquinas de Terraplenagem figura como destinatária de R$ 16,1 milhões supostamente gastos pela CBPO com firmas subcontratadas durante as obras do túnel Ayrton Senna. Em tese, ela teria fornecido tratores, carregadeiras e caminhões ao canteiro.
A empresa, porém, é fantasma. Com sede fictícia em Abatiá (PR), ela oficialmente pertence a Lavino Kiil e a Joel Gonçalves Pereira.
Kiil, um sapateiro aposentado que já teve os documentos extraviados uma vez, não sabe da existência da empresa. A assinatura de Kiil no registro da Lavicen na Junta Comercial do Paraná é completamente diferente da de sua carteira de identidade.
Já Joel Gonçalves Pereira responde a processo por estelionato e falsidade ideológica -inclusive contra a binacional Itaipu- e está desaparecido, segundo autoridades paulistas e paranaenses.
A Lavicen tem como representante legal o contador Francisco Sacerdote, signatário do contrato da locadora com a CBPO.
Em depoimento na Promotoria paranaense, Sacerdote disse que foi apenas funcionário da Lavicen, afirmou que não conhece o sapateiro Kiil e disse que o dinheiro era repassado pela CBPO diretamente a Joel Pereira. Ele mesmo, como representante legal, recebia R$ 1.000 por mês da Lavicen do início ao término da obra.
Nos anos 70, Sacerdote foi condenado a dois anos de prisão por estelionato, mas esteve foragido até a prescrição da pena, em 1997.

Ponta do iceberg
Para o Ministério Público, há indícios de que os R$ 16,1 milhões que a CBPO afirma ter pago a Lavicen são parte dos R$ 106,1 milhões que teriam sido desviados das obras do túnel. Para os promotores, porém, o valor repassado pela CBPO pode ser ainda maior, pois o contrato entre as duas empresas é de janeiro de 95.
A CBPO, no entanto, só apresentou à Promotoria as notas fiscais do ano seguinte. Ao Ministério Público, a empreiteira alegou não ter os documentos de 95 porque a legislação tributária do país só exige que eles sejam mantidos em arquivo por cinco anos.
Para tentar saber o destino do dinheiro repassado à empresa fantasma, o promotor Luiz Salles do Nascimento, da Promotoria de Justiça da Cidadania, pediu no mês passado a quebra do sigilo bancário da Lavicen, de seus supostos proprietários e da CBPO. O juiz concedeu, decretando sigilo das investigações.

Ilha de Jersey
Os promotores suspeitam que haja relação entre a contratação da empresa Lavicen pela CBPO e contas mantidas pela família do ex-prefeito Paulo Maluf na ilha de Jersey. Em 10 de junho de 2001, a Folha informou que Maluf e familiares têm contas bloqueadas nesse paraíso fiscal.
Além de Maluf, aparecem como donos de contas a mulher dele, Sylvia, os quatro filhos do casal e uma das noras dos Maluf. Os depósitos somam pelo menos US$ 200 milhões. O ex-prefeito nega a existência das contas.
Sobre a contratação de uma empresa que não existe, os advogados do prefeito dizem que a explicação cabe às empreiteiras.
O advogado do consórcio CBPO-Constran, Pedro Estevam Alves Pinto Serrano, contesta a informação de que a Lavicen é uma empresa fantasma.
"As empreiteiras alugaram equipamentos dessa empresa", afirmou Serrano, que questiona a competência do Ministério Público para investigar o assunto.
(SC e CG)

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