São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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INFÂNCIA

Programa está sendo criado para evitar que menores sejam enviados a abrigos; "famílias guardiãs" serão preparadas

SP quer substituir orfanatos por famílias

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

São Paulo está iniciando um programa para evitar que crianças e adolescentes abandonados ou em risco sejam enviados aos abrigos. A intenção é preparar "famílias guardiãs" para que cuidem deles até que seus destinos sejam decididos pelo Judiciário.
Pela prática vigente, as crianças permanecem nos orfanatos enquanto a situação é definida. No final, podem retornar para a família de origem ou serem liberadas para a adoção. O percurso pode levar anos, prejudicando o desenvolvimento afetivo da criança e reduzindo suas chances de vir a ser adotada.
Pelo projeto, as famílias selecionadas e treinadas poderão receber um salário mínimo por mês -o valor ainda está em estudo.
Só nos abrigos da capital, conveniados com a prefeitura e o Estado, estão cerca de 2.600 crianças e adolescentes. Estima-se que outro tanto viva em orfanatos não conveniados nem cadastrados. E que pelo menos 500 crianças estariam morando nas ruas.
O projeto está sendo discutido por um núcleo que reúne a Secretaria de Assistência Social da prefeitura (SAS), representantes do governo do Estado, do Judiciário, do Ministério Público e dos Conselhos Tutelares.
Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, toda criança tem direito a uma convivência familiar saudável. Se a família de origem não pode dar, que seja dado por uma família substituta.
Não é o que acontece. "Há uma cultura do abandono e da institucionalização no Brasil", diz o juiz Rodrigo Lobato Junqueira Enout, presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude, que há anos defende uma política pública que incentive a guarda de crianças.
Por essa cultura do orfanato, muitos promotores -e mesmo juízes- ainda resistem à concessão da guarda a famílias. "Ou vai para a adoção, ou fica no abrigo, é assim que pensam", diz Enout.
O juiz observa que os casos de guarda registrados se limitam a parentes, quando a mãe ou uma tia fica com o bebê que nasceu da filha adolescente, por exemplo. "Guarda por famílias estranhas é praticamente zero."

Perda da guarda
A guarda é retirada dos pais em caso de abandono, alcoolismo, violência ou impossibilidade de oferecer cuidados. Nesse estágio, o pátrio poder permanece com os pais, que podem vir a recuperar a guarda. Caso a Justiça constate abandono maior, o pátrio poder será retirado e a criança disponibilizada para a adoção.
Nelson Alda, da Coordenadoria de Assistência ao Adolescente da SAS, diz que o pagamento será uma ajuda, não uma forma de atrair casais para a guarda. "As famílias serão selecionadas, preparadas e depois acompanhadas. Só serão triados os que tiverem envolvimento com o projeto. Terá de haver uma mudança de mentalidade."

"Pais de Plantão"
O projeto de São Paulo começa com atraso. A França e os EUA, por exemplo, praticamente eliminaram seus orfanatos. No Brasil, há várias iniciativas.
Belo Horizonte criou em 1994 o programa Pais de Plantão. Famílias inscritas na Vara da Infância e da Juventude estão prontas para receber, por tempo indeterminado, criança ou adolescente que teve a guarda retirada pelo juiz. "Desde que o programa foi criado, 446 crianças deixaram de ser encaminhadas às instituições", diz Tarcísio José Martins Costa, juiz titular da Vara da Infância e da Juventude de Belo Horizonte.
Em Franca (400 km ao norte de São Paulo), Judiciário, prefeitura e sociedade criaram em 1998 o programa Família de Apoio. Cerca de dez casais, preparados, ficam com a guarda provisória da criança até que as questões jurídicas sejam definidas. No primeiro ano, 48 crianças foram acolhidas por 13 famílias da cidade.
O fato de a família saber que "perderá" a criança em algum momento não é empecilho. "Mesmo que o desligamento seja difícil, a vinculação afetiva só vem a acrescentar, nunca traz prejuízos", diz Abigail Aparecida de Paiva Franco, assistente social judiciária. Abigail, doutoranda da Unesp de Franca, vem dedicando suas pesquisas e suas teses ao programa Família de Apoio.
Por trás das iniciativas pela desinstitucionalização da criança está a certeza de que nenhum abrigo, por melhor que seja, consegue substituir uma família.



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