São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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JUDICIÁRIO

A chamada Justiça terapêutica, aplicada no RS, prevê suspensão de processo em troca de tratamento a acusados

Preso por droga deve ser tratado, diz juiz

ROBERTO COSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O juiz Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, defende que a Justiça ofereça a possibilidade de tratamento para as pessoas presas por consumir drogas.
A Justiça terapêutica, como é chamada a possibilidade de suspensão do processo em troca do tratamento do acusado, é aplicável tanto para as pessoas presas por causa da posse de drogas para consumo próprio quanto para as que cometem pequenos crimes com o objetivo de conseguir dinheiro para comprar as drogas.
Leia os principais trechos da entrevista concedida pelo juiz.

Folha - Que é Justiça terapêutica?
Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira -
A Justiça terapêutica é uma nova forma de o Judiciário ver a questão do uso de drogas. Ela parte do princípio de que se pode tratar o dependente de drogas e, com isso, evitar que ele cometa outras infrações penais.

Folha - Como isso é feito?
Oliveira -
A Justiça terapêutica é optativa; não é obrigatória nem coercitiva para o acusado. Nos casos em que há possibilidade de ser feita transação penal, a pessoa se submete a um programa de tratamento e, no final, é extinta a punibilidade do crime. Ela também pode recusar esse sistema e seguir o sistema comum da lei.

Folha - Então o tratamento substitui a pena?
Oliveira -
Não, o tratamento substitui o processo. É uma alternativa para o acusado, apresentada na fase preliminar do processo. As drogas estão direta ou indiretamente ligadas à maior parte dos crimes cometidos na capital.

Folha - Em que casos a Justiça terapêutica pode ser aplicada?
Oliveira -
No tráfico de drogas, devido à gravidade do delito, não se aplica a Justiça terapêutica. Mas ela pode ser aplicada em casos de posse de entorpecente para uso próprio e outros pequenos delitos, quando eles são cometidos para obtenção de drogas.

Folha - Não é preciso mudar a lei?
Oliveira -
No caso de furtos, haveria a necessidade de haver algumas modificações legais para que esse sistema seja aplicado. Mas com a lei dos juizados especiais federais, que é aplicável à Justiça estadual, já é possível falar em transação penal nos casos de posse de entorpecente para uso próprio.

Folha - Em que outros casos ela pode ser aplicada?
Oliveira -
A Justiça terapêutica pode ser aplicada hoje em casos que sejam considerados de pequeno potencial ofensivo ou em que seja possibilitada a suspensão do processo [crimes puníveis com penas de até quatro anos". Mas a Justiça terapêutica deverá ser guardada às pessoas usuárias ou dependentes de drogas e que estão cometendo infrações penais em razão dessa dependência.

Folha - O objetivo não é a punição, mas recuperação do viciado...
Oliveira -
Depois do iluminismo, as sanções penais possuem três aspectos: a retribuição pelo mal feito à sociedade, a prevenção para que outros não o façam e a ressocialização. A Justiça terapêutica está ressuscitando um dos princípios da pena: a ressocialização.

Folha - A Justiça terapêutica já foi implantada em outros países?
Oliveira -
Ela nasceu nos EUA como uma idéia para diminuir a criminalidade. É um instrumento de auxílio às pessoas que usam drogas, são levadas à Justiça e não tiveram a chance de ter um tratamento. É uma forma de evitar que o homem seja marginalizado no sistema carcerário.

Folha - Como a Justiça terapêutica funciona nos Estados Unidos?
Oliveira -
O princípio básico é a abstinência do uso de drogas com a realização de exames periódicos. A pessoa é inserida em um programa de tratamento, que normalmente dura pelo menos um ano, em que será feita avaliação de suas necessidades.

Folha - O pressuposto é que o dependente é uma pessoa doente.
Oliveira -
A pessoa que usa drogas tem problemas e precisa de ajuda. É uma forma de evitar que ela cometa crimes para conseguir a droga e se marginalize mais.

Folha - O que acontece se os exames derem resultado positivo?
Oliveira -
A Justiça terapêutica se funda na idéia de autodisciplina. Quando se verifica a recaída da pessoa no uso de drogas, ela é motivada a voltar ao programa. Só nos casos em que se verifica que ela não tem a intenção de se tratar é que sai da Justiça terapêutica e passa para a Justiça comum.

Folha - Daí começa o processo?
Oliveira -
O acusado fica sujeito a um processo e, se for condenado, recebe uma pena. O fato de ele ser inserido na Justiça terapêutica não significa confissão de culpa.

Folha - Ele continua réu primário?
Oliveira -
Quando for extinta a punibilidade, ele continua réu primário. A Justiça terapêutica é uma chance que a sociedade dá ao acusado para que ele continue primário e volte a ter uma vida socialmente ativa.

Folha - Seria possível aplicar o modelo norte-americano no Brasil?
Oliveira -
A Justiça terapêutica já funciona no Rio Grande do Sul. Em outros Estados, como Rio e Bahia, ela começa a ser implantada. Esperamos que a instalação dos juizados de pequenas causas criminais também incentive sua implantação em São Paulo.

Folha - O sistema público de saúde tem condições para tratar todas as pessoas que podem ser incluídas nesse programa?
Oliveira -
A questão da saúde no Brasil é muito delicada, embora exista uma obrigação legal para que o Estado mantenha unidades de tratamento. Se trabalharmos na prevenção do crime, poderemos economizar dinheiro na construção de novos presídios e nas despesas com os presos.

Folha - Quantas pessoas poderiam ser incluídas nesse programa?
Oliveira -
Pelo menos 200 pessoas por mês em São Paulo.

Folha - O sr. já apresentou essa idéia para os órgãos públicos?
Oliveira -
Estamos trabalhando em conjunto com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Mandando pessoas para serem submetidas a programas de tratamento de um ano em que o juiz acompanha o tratamento.

Folha - O sr. está fazendo isso?
Oliveira -
Adoto essa prática há alguns meses e tenho dez pessoas inseridas nesse programa.

Folha - Quais são os resultados?
Oliveira -
O programa só dá resultados a longo prazo. Ainda não deu tempo de ver os resultados.

Folha - As pessoas são submetidas a exames para verificar a presença de drogas no sangue?
Oliveira -
Atualmente, não temos estrutura para fazer isso em São Paulo, mas pretendemos, um dia, chegar a esse ponto. O importante é o fato de estarmos remetendo ao tratamento pessoas que, antes, seriam condenadas ao fornecimento de uma cesta básica ou uma multa e continuariam tendo problemas com o uso de drogas.

Folha - Se todos os juízes adotassem a Justiça terapêutica, a saúde teria condições de atender a todos?
Oliveira -
Não, atualmente não teria condições. Mas existe um interesse crescente para a questão dos dependentes de drogas -inclusive o usuário de álcool.

Folha - A Justiça terapêutica também é aplicável a quem comete um crime sob efeito do álcool?
Oliveira -
Sim, nós não vemos muita diferença entre quem comete infrações penais alcoolizado e quem as comete sob efeito de outras substâncias entorpecentes.



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