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São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 2003

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SEGURANÇA

Para entidades e advogados que formam grupo Antiterror, legislação mais rígida é incapaz de reduzir criminalidade

Movimento quer barrar lei penal mais dura

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um manifesto que será entregue hoje ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, marca o começo da campanha pública do chamado Movimento Antiterror, formado por profissionais e entidades na área do direito de seis Estados e de Brasília.
É a primeira reação organizada contra as propostas de endurecimento da legislação penal e do tratamento dado aos presos brasileiros como forma de combater a criminalidade.
Tramita no Congresso projeto, por exemplo, que amplia o tempo que um detento pode ficar em uma solitária, incomunicável e sem contato com o ambiente fora da cadeia (leia texto abaixo).
O grupo Antiterror é formado por ex-ministros da Justiça, advogados criminalistas de renome, promotores de Justiça, magistrados, professores e também por entidades ligadas à área. A campanha, deflagrada via internet, tem a adesão de profissionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Brasília.
Segundo o próprio movimento, mais de 240 profissionais e dez entidades participam da reação às propostas que tramitam no Congresso. As novas idéias são traduzidas pelo grupo como "ilusão penal" e "cortina de fumaça". Para eles, o endurecimento não diminuirá a criminalidade e poderá até causar efeito contrário.
O manifesto é o começo da campanha pública de um movimento que nasceu no final de abril, em uma reunião em São Paulo. Depois disso, 20 representantes do grupo se encontraram com o ministro da Justiça em seu escritório oficial na capital paulista, na última segunda-feira.
A conversa revelou que a batalha será difícil. Bastos disse que a pressão de parcela do Congresso e do próprio PT é muito forte em favor do endurecimento da legislação. O grupo de especialistas quer que o ministro adie a votação no Senado.
"O endurecimento á uma ilusão penal. É um biombo que esconde o assunto principal, que é a política social", disse Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A Lei de Crimes Hediondos, de 1990, é o exemplo mais citado pelo grupo para defender a tese de que lei mais rígida não diminui criminalidade. "De lá para cá, os crimes só aumentaram", disse Reale Júnior.
Para o movimento, a ação do governo tem de ser direcionada para políticas de combate à corrupção, reaparelhamento das polícias e projetos sociais. "Essa proposta é a legítima legislação penal do pânico para acalmar a opinião pública", afirmou Marcelo Leonardo, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais e professor na Universidade Federal de Minas Gerais.

Inspirador
Autor do nome do movimento, o professor da Universidade Federal do Paraná e presidente do grupo brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal, René Ariel Dotti, diz estar surpreso com a mobilização rápida dos profissionais contrários às propostas. "O movimento é muito espontâneo. A última vez que isso ocorreu no setor foi no impeachment de Collor de Mello."
Dotti resolveu batizar a mobilização como Movimento Antiterror a partir da obra do político e filósofo italiano Giuseppe Bettiol, que entre as décadas de 50 e 70 se notabilizou ao definir como "terror penal" as situações em que a Justiça é aplicada como uma espécie de vingança. "Crime organizado e Estado desorganizado são irmãos xifópagos", disse, comparando ambos com aqueles indivíduos que, embora diferentes, estão ligados pelo mesmo tórax.
Para o advogado criminalista Arnaldo Malheiros Filho, o endurecimento da legislação não passa de um "estelionato eleitoral". "Um político, que não sabe nada do tema, chega ao Congresso e faz alterações malucas. É preciso ouvir os especialistas", disse.
Apesar de a entidade a qual preside, a Associação Juízes para a Democracia, ainda não integrar oficialmente o movimento, o juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Ary Casagrande, também critica a proposta do governo. "Essa não é a solução. Não se faz Justiça baseada no clamor público", afirmou.


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