São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

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INFINITO ENQUANTO DURE

Para doutor em relacionamento amoroso, legislador erra ao criar parâmtros para relações afetivas

Limite entre namoro e união estável é sutil

DA REPORTAGEM LOCAL

Difícil de definir. É assim que Ailton Amélio da Silva, doutor em relacionamento amoroso do Instituto de Psicologia da USP e autor do livro "O Mapa do Amor" (ed. Gente), encara a fronteira entre namoro e união estável.
Como os relacionamentos amorosos hoje se manifestam em modelos cada vez mais complexos, para ele, quando a lei determina o que é uma união estável, "o legislador não tem clarividência sobre o que está legislando".
Para Silva, o casal que vive junto, não quer se enquadrar na comunhão parcial de bens e faz um contrato de separação total assina também um decreto de desconfiança mútua, o que prejudica o relacionamento.
Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha. (FM)

Folha - Como os modelos de relacionamento amoroso mudaram nas últimas décadas?
Ailton Amélio da Silva -
Antigamente, os estágios de um relacionamento amoroso eram o flerte, o namoro, o noivado e o casamento. Agora, a coisa é mais sofisticada. A paquera e o flerte ainda existem e sempre vão existir. Mas hoje há o ficar e o rolo, que são estágios optativos. E há, então, o namoro, que logo vira o que chamo de semicasamento -quando o par faz coisas que antes ficavam restritas à situação de casado: viajam aos finais de semana, dormem juntos etc. Do semicasamento, o par pode ir morar junto. E só depois disso, casa-se. Essa seqüência, claro, existe, mas é toda optativa e reversível. Fica a grande questão: em que momento dessa evolução as pessoas têm responsabilidades legais umas com as outras? É perigoso o legislador parametrizar as relações afetivas, pois ele acaba interferindo diretamente nelas. Ao pautar o que acontece na vida afetiva, o legislador deveria refletir a cultura atual e não determinar como a cultura deve proceder.

Folha - No plano sentimental, como é possível diferenciar namoro de união estável?
Silva -
As coisas são todas graduais. Em todas as espécies da natureza que formam pares há uma fase de namoro anterior à união. O namoro é necessário porque é uma espécie de teste para ver a compatibilidade do casal antes que ele se una estavelmente. Num namoro, se espera normalmente exclusividade sexual e freqüência de convivência. O comprometimento é crescente e contínuo até a união estável. Só que a lei torna a coisa descontínua porque estabelece o momento em que o casal passa a ter responsabilidade legal.

Folha - O Código Civil define união estável como aquela "entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".
Silva -
A definição é vaga. Quando é que um casal passa a ter como objetivo constituir família? Isso é algo que não tem momento para ser definido. É como alguém querer que você compre um apartamento sem tê-lo visitado.

Folha - Casais têm feito contratos que determinam separação total de bens. Como fica o amor quando a questão material é colocada?
Silva -
Quando você estabelece um pacto com o seu parceiro, evidencia sua desconfiança e demonstra que está preocupado em salvaguardar seu patrimônio. Antigamente, casamento era só com comunhão total de bens. Mas isso porque era aquela coisa "na alegria e na tristeza, na saúde e na doença". Hoje, para uma relação ser boa, os pares têm de constituir uma unidade afetiva, econômica, social, sexual e procriativa. Quando você determina que o que é meu é meu, e o que é seu é seu, provoca um esfriamento na relação. Parece medo de que o amor não dê certo, e isso compromete o sucesso da relação. É uma espécie de profecia auto-realizadora.

Folha - Uma má separação não poderia levar uma das partes a querer "se vingar" usando essa responsabilidade legal?
Silva -
Sem dúvida. Isso pode ser usado quando, na separação, uma das partes pensa: "Já que você fez isso comigo, vou lhe impor um sofrimento por meios legais".

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