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INFINITO ENQUANTO DURE
Para doutor em relacionamento amoroso, legislador erra ao criar parâmtros para relações afetivas
Limite entre namoro e união estável é sutil
DA REPORTAGEM LOCAL
Difícil de definir. É assim que
Ailton Amélio da Silva, doutor em
relacionamento amoroso do Instituto de Psicologia da USP e autor do livro "O Mapa do Amor"
(ed. Gente), encara a fronteira entre namoro e união estável.
Como os relacionamentos amorosos hoje se manifestam em modelos cada vez mais complexos,
para ele, quando a lei determina o
que é uma união estável, "o legislador não tem clarividência sobre
o que está legislando".
Para Silva, o casal que vive junto, não quer se enquadrar na comunhão parcial de bens e faz um
contrato de separação total assina
também um decreto de desconfiança mútua, o que prejudica o
relacionamento.
Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
(FM)
Folha - Como os modelos de relacionamento amoroso mudaram
nas últimas décadas?
Ailton Amélio da Silva - Antigamente, os estágios de um relacionamento amoroso eram o flerte, o
namoro, o noivado e o casamento. Agora, a coisa é mais sofisticada. A paquera e o flerte ainda existem e sempre vão existir. Mas hoje
há o ficar e o rolo, que são estágios
optativos. E há, então, o namoro,
que logo vira o que chamo de semicasamento -quando o par faz
coisas que antes ficavam restritas
à situação de casado: viajam aos
finais de semana, dormem juntos
etc. Do semicasamento, o par pode ir morar junto. E só depois disso, casa-se. Essa seqüência, claro,
existe, mas é toda optativa e reversível. Fica a grande questão: em
que momento dessa evolução as
pessoas têm responsabilidades legais umas com as outras? É perigoso o legislador parametrizar as
relações afetivas, pois ele acaba
interferindo diretamente nelas.
Ao pautar o que acontece na vida
afetiva, o legislador deveria refletir a cultura atual e não determinar como a cultura deve proceder.
Folha - No plano sentimental, como é possível diferenciar namoro
de união estável?
Silva - As coisas são todas graduais. Em todas as espécies da natureza que formam pares há uma
fase de namoro anterior à união.
O namoro é necessário porque é
uma espécie de teste para ver a
compatibilidade do casal antes
que ele se una estavelmente. Num
namoro, se espera normalmente
exclusividade sexual e freqüência
de convivência. O comprometimento é crescente e contínuo até a
união estável. Só que a lei torna a
coisa descontínua porque estabelece o momento em que o casal
passa a ter responsabilidade legal.
Folha - O Código Civil define
união estável como aquela "entre o
homem e a mulher, configurada na
convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".
Silva - A definição é vaga. Quando é que um casal passa a ter como objetivo constituir família? Isso é algo que não tem momento
para ser definido. É como alguém
querer que você compre um apartamento sem tê-lo visitado.
Folha - Casais têm feito contratos
que determinam separação total
de bens. Como fica o amor quando
a questão material é colocada?
Silva - Quando você estabelece
um pacto com o seu parceiro, evidencia sua desconfiança e demonstra que está preocupado em
salvaguardar seu patrimônio. Antigamente, casamento era só com
comunhão total de bens. Mas isso
porque era aquela coisa "na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença". Hoje, para uma relação
ser boa, os pares têm de constituir
uma unidade afetiva, econômica,
social, sexual e procriativa. Quando você determina que o que é
meu é meu, e o que é seu é seu,
provoca um esfriamento na relação. Parece medo de que o amor
não dê certo, e isso compromete o
sucesso da relação. É uma espécie
de profecia auto-realizadora.
Folha - Uma má separação não
poderia levar uma das partes a
querer "se vingar" usando essa responsabilidade legal?
Silva - Sem dúvida. Isso pode ser
usado quando, na separação, uma
das partes pensa: "Já que você fez
isso comigo, vou lhe impor um
sofrimento por meios legais".
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