São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ATRÁS DA CEGONHA

Baixo custo e uso de técnicas vetadas no exterior atraem estrangeiros que não conseguem ter filhos

Brasil vira rota do turismo reprodutivo

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil entrou na rota do turismo reprodutivo internacional. Em duas das principais clínicas de São Paulo, por exemplo, o número de casais estrangeiros com dificuldade de gravidez atendido já é o dobro em relação a 2004.
O movimento de casais estrangeiros que buscam o país para ter um bebê chamou a atenção até da prestigiada revista científica "The New England Journal of Medicine", que, recentemente, colocou o Brasil na rota do turismo reprodutivo internacional.
O baixo custo dos procedimentos (em relação aos preços praticados na Europa e nos EUA) e uma maior permissividade à realização de técnicas proibidas em outros países seriam alguns dos motivos que fazem os casais estrangeiros a atravessarem o Atlântico à procura da terapia.
Nos EUA, cada tentativa de fertilização in vitro varia de US$ 8.000 a 12 mil -quase o dobro da média praticada no Brasil.
Na Europa, o preço é parecido, mas alguns países custeiam o tratamento. O entrave fica por conta de questões éticas, que acabam restringindo algumas técnicas.
A Alemanha é um caso emblemático: limita o atendimento gratuito a mulheres até 37 anos, só permite a transferência de dois embriões para o útero e não realiza fertilização com óvulos ou esperma doados.
A Itália também veta o útero de substituição ("barriga de aluguel") e restringe a inseminação artificial a casais heterossexuais que comprovem a relação estável.
No Brasil, não há lei específica que regulamente as técnicas de reprodução assistida. Procedimentos polêmicos, como a escolha do sexo do embrião ("sexagem") e a transferência do citoplasma do óvulo de uma mulher jovem para o de uma mulher mais velha para supostamente "vitaminá-lo" são feitos por algumas clínicas.
Ambos são condenados pela comunidade científica internacional e pelo próprio Conselho Federal de Medicina brasileiro.
"Muitas clínicas brasileiras agem sob o princípio da anomia [ausência de leis, de normas ou de regras de organização]. Essa sensação de que tudo pode, atrai os estrangeiros. Mas o país tem um ordenamento jurídico com regras muito claras. O problema é que ninguém fiscaliza", diz o urologista Jorge Hallak, do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Atendimento em dobro
O ginecologista Paulo Marcelo Perin, especialista em reprodução assistida, concorda que o rigor de algumas leis estrangeiras tem beneficiado turismo reprodutivo no Brasil. Além disso, ele lembra que algumas clínicas americanas recusam pacientes com poucas chances de fertilização -em geral, aquelas acima de 40 anos- para não prejudicar as estatísticas de eficácia do serviço.
"Ao selecionar pacientes com mais chances, o índice de gravidez chega a 80%. Nos congressos, essas taxas impressionam", afirma o médico. No ano passado, Perin atendeu seis pacientes vindas no exterior. Neste ano, já foram 12.
O médico Roger Abdelmassih também relaciona a maior procura de pacientes estrangeiros ao endurecimento das leis européias. A eficácia e o custo do tratamento no Brasil também seriam outros atrativos, diz o médico.
Neste ano, Abdelmassih afirma ter atendidos 30 casais estrangeiros, contra 18 que procuraram a clínica durante o ano de 2004.
Sul-africanos, americanos e europeus (especialmente os franceses, alemães e italianos) lideram a lista de estrangeiros que se submeteram a tratamentos na clínica. "Em geral, eles nos procuram quando já tiveram tentativas fracassadas no país origem."
Na avaliação do ginecologista Alfonso Massaguero, da clínica Huntington, o fato de o país ter uma grande diversidade étnica o coloca em vantagem aos demais quando a indicação do casal estrangeiro for de uma fertilização com óvulo ou sêmen doado.

Turismo e hospitalidade
Segundo a ginecologista Maria do Carmo Borges, presidente da SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida), o turismo também tem impulsionado a escolha dos estrangeiros pelo país.
"Eles vêm nas férias e aliam o lazer ao tratamento. Dá tempo para tomar as medicações, fazer a transferência dos embriões e, às vezes, de confirmar a gravidez antes de embarcar para os seus países de origem", diz ela, que tem uma clínica no Rio de Janeiro.
O urologista Edson Borges, da clínica de reprodução Fertility, conta que os casais estrangeiros fazem todos exames necessários para a investigação da infertilidade no país de origem e só vêm ao Brasil no momento de iniciar a estimulação ovariana.
"Hoje os seguros de saúde americanos já aceitam solicitação [de exames] de médicos brasileiros", conta Borges.
Ele lembra que nos congressos internacionais de reprodução, a delegação de médicos brasileiros costuma ser a terceira ou a quarta maior em freqüência. "Tecnicamente falando, nada nos diferencia dos países desenvolvidos", diz.
O ginecologista Ricardo Baruffi, da clínica Sinhá Junqueira, de Ribeirão Preto, lembra que a hospitalidade dos brasileiros, inclusive na área médica, é outro fator de atrai os estrangeiros, especialmente quando um dos cônjuges é brasileiro. "Eles se queixam que as equipes estrangeiras são, em geral, mais frias", conta.

Texto Anterior: Mortes
Próximo Texto: Religiões alteram rotina de clínicas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.