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ATRÁS DA CEGONHA
Baixo custo e uso de técnicas vetadas no exterior atraem estrangeiros que não conseguem ter filhos
Brasil vira rota do turismo reprodutivo
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil entrou na rota do turismo reprodutivo internacional.
Em duas das principais clínicas de
São Paulo, por exemplo, o número de casais estrangeiros com dificuldade de gravidez atendido já é
o dobro em relação a 2004.
O movimento de casais estrangeiros que buscam o país para ter
um bebê chamou a atenção até da
prestigiada revista científica "The
New England Journal of Medicine", que, recentemente, colocou o
Brasil na rota do turismo reprodutivo internacional.
O baixo custo dos procedimentos (em relação aos preços praticados na Europa e nos EUA) e
uma maior permissividade à realização de técnicas proibidas em
outros países seriam alguns dos
motivos que fazem os casais estrangeiros a atravessarem o
Atlântico à procura da terapia.
Nos EUA, cada tentativa de fertilização in vitro varia de US$
8.000 a 12 mil -quase o dobro da
média praticada no Brasil.
Na Europa, o preço é parecido,
mas alguns países custeiam o tratamento. O entrave fica por conta
de questões éticas, que acabam
restringindo algumas técnicas.
A Alemanha é um caso emblemático: limita o atendimento gratuito a mulheres até 37 anos, só
permite a transferência de dois
embriões para o útero e não realiza fertilização com óvulos ou esperma doados.
A Itália também veta o útero de
substituição ("barriga de aluguel") e restringe a inseminação
artificial a casais heterossexuais
que comprovem a relação estável.
No Brasil, não há lei específica
que regulamente as técnicas de reprodução assistida. Procedimentos polêmicos, como a escolha do
sexo do embrião ("sexagem") e a
transferência do citoplasma do
óvulo de uma mulher jovem para
o de uma mulher mais velha para
supostamente "vitaminá-lo" são
feitos por algumas clínicas.
Ambos são condenados pela comunidade científica internacional
e pelo próprio Conselho Federal
de Medicina brasileiro.
"Muitas clínicas brasileiras
agem sob o princípio da anomia
[ausência de leis, de normas ou de
regras de organização]. Essa sensação de que tudo pode, atrai os
estrangeiros. Mas o país tem um
ordenamento jurídico com regras
muito claras. O problema é que
ninguém fiscaliza", diz o urologista Jorge Hallak, do Hospital das
Clínicas de São Paulo.
Atendimento em dobro
O ginecologista Paulo Marcelo
Perin, especialista em reprodução
assistida, concorda que o rigor de
algumas leis estrangeiras tem beneficiado turismo reprodutivo no
Brasil. Além disso, ele lembra que
algumas clínicas americanas recusam pacientes com poucas
chances de fertilização -em geral, aquelas acima de 40 anos-
para não prejudicar as estatísticas
de eficácia do serviço.
"Ao selecionar pacientes com
mais chances, o índice de gravidez
chega a 80%. Nos congressos, essas taxas impressionam", afirma
o médico. No ano passado, Perin
atendeu seis pacientes vindas no
exterior. Neste ano, já foram 12.
O médico Roger Abdelmassih
também relaciona a maior procura de pacientes estrangeiros ao
endurecimento das leis européias.
A eficácia e o custo do tratamento
no Brasil também seriam outros
atrativos, diz o médico.
Neste ano, Abdelmassih afirma
ter atendidos 30 casais estrangeiros, contra 18 que procuraram a
clínica durante o ano de 2004.
Sul-africanos, americanos e europeus (especialmente os franceses, alemães e italianos) lideram a
lista de estrangeiros que se submeteram a tratamentos na clínica.
"Em geral, eles nos procuram
quando já tiveram tentativas fracassadas no país origem."
Na avaliação do ginecologista
Alfonso Massaguero, da clínica
Huntington, o fato de o país ter
uma grande diversidade étnica o
coloca em vantagem aos demais
quando a indicação do casal estrangeiro for de uma fertilização
com óvulo ou sêmen doado.
Turismo e hospitalidade
Segundo a ginecologista Maria
do Carmo Borges, presidente da
SBRA (Sociedade Brasileira de
Reprodução Assistida), o turismo
também tem impulsionado a escolha dos estrangeiros pelo país.
"Eles vêm nas férias e aliam o lazer ao tratamento. Dá tempo para
tomar as medicações, fazer a
transferência dos embriões e, às
vezes, de confirmar a gravidez antes de embarcar para os seus países de origem", diz ela, que tem
uma clínica no Rio de Janeiro.
O urologista Edson Borges, da
clínica de reprodução Fertility,
conta que os casais estrangeiros
fazem todos exames necessários
para a investigação da infertilidade no país de origem e só vêm ao
Brasil no momento de iniciar a estimulação ovariana.
"Hoje os seguros de saúde americanos já aceitam solicitação [de
exames] de médicos brasileiros",
conta Borges.
Ele lembra que nos congressos
internacionais de reprodução, a
delegação de médicos brasileiros
costuma ser a terceira ou a quarta
maior em freqüência. "Tecnicamente falando, nada nos diferencia dos países desenvolvidos", diz.
O ginecologista Ricardo Baruffi,
da clínica Sinhá Junqueira, de Ribeirão Preto, lembra que a hospitalidade dos brasileiros, inclusive
na área médica, é outro fator de
atrai os estrangeiros, especialmente quando um dos cônjuges é
brasileiro. "Eles se queixam que
as equipes estrangeiras são, em
geral, mais frias", conta.
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