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GILBERTO DIMENSTEIN
Quem não entende a Daslu não entende São Paulo
A Daslu não me seduz por
quatro motivos:
1)Não compro roupas de grife
estrangeira - aliás, nem brasileira-, que, por não fazerem meu
gênero, são um desperdício de dinheiro.
2)Não gosto do ambiente claustrofóbico de um shopping center;
ainda mais repleto de peruas.
3)Não pago R$ 30 pela primeira
hora de estacionamento.
4)Não gosto de sair, sem um
bom motivo, da Vila Madalena,
onde moro e encontro quase tudo
de que preciso nas lojas de rua,
muitas das quais a poucos metros
de um simpático café. Ou de alguém com uma história interessante para contar.
Feitas essas ressalvas, considero
a Daslu um bom negócio para a
cidade: cria empregos e impostos,
além de aumentar a oferta de serviços sofisticados. Não considero
suas proprietárias peruas fúteis,
mas gente empreendedora que
investe em produção num país
que desestimula os empreendedores.
As melhores cidades do planeta
são aquelas que atendem a todas
as tribos: boêmios, homossexuais,
religiosos, punks, artistas, empresários, socialites, homens de negócios e intelectuais. Atende pessoas
interessadas em andar pela Vila
Madalena, com roupas artesanais, e milionárias, deslumbradas, dispostas a pagar milhares de
reais por um vestidinho.
Não é um simples negócio. É
uma tradução do que há de pior e
de melhor em São Paulo ao mostrar, lado a lado, a desigualdade
extrema - a loja é vizinha de
uma favela que fica em frente a
um esgoto a céu aberto (o rio Pinheiros)- e a evolução de seu capital humano.
Em meio ao caos urbano, violência e desigualdade, São Paulo
está cada vez mais sofisticada.
Quem não entender essa dualidade não entende a lógica paulistana.
Na mesma semana em que a cidade conheceu a sua mais sofisticada loja, também conheceu a
sua mais sofisticada experiência
social.
Divulgaram-se oficialmente, na
quinta-feira de manhã, números
sobre a queda de homicídios no
distrito de Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, apontado pela ONU como a região mais violenta do mundo. É um complexo
design comunitário.
Comparando-se de janeiro a junho de 2001 ao mesmo período
deste ano, a taxa de assassinatos
caiu, no distrito, 73%. E continua
a cair. Os números estão chamando a atenção de especialistas internacionais em segurança pública.
Um dos sinais da recuperação
do distrito, além das estatísticas,
foi a recente inauguração das Casas Bahia, possível depois da redução da selvageria. A intensidade do impacto local só é comparável ao da Daslu para os jardins.
Evidentemente o sucesso do Jardim Ângela, com sua complexa
articulação de poder público e comunidade, é infinitamente mais
difícil do que montar uma playground para endinheirados.
Mas, tanto a operação para instalar as Casas Bahia no Jardim
Ângela como a Daslu na Vila
Olímpia traduzem o requinte do
capital humano de São Paulo.
Quem não vê a cidade apenas
por clichês observa uma monumental efervescência. Neste mês,
por exemplo, começa o São Paulo
Fashion Week, que tem ajudado
a projetar mundialmente o design da moda brasileira. Está em
exibição a Casa Cor, mais uma
amostra do talento do design nacional.
Os melhores hospitais da cidade
oferecem cursos de pós-graduação, em parceria com centros internacionais. Agências de publicidade abocanham os mais cobiçados prêmios internacionais.
Aumenta a oferta das mais diferentes especialidades universitárias, a começar dos programas
para aperfeiçoamento de administração. Uma faculdade criou
um MBA apenas para gerenciamento de grifes de luxo.
Há cada vez mais teatros, cinemas, museus e centros culturais.
Faculdades oferecem cursos para formação de executivos especialmente em gestão de programas sociais, em parceria com as
melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa. É, afinal,
um bom mercado. Na semana
passada, num encontro do Instituto Ethos, cuja missão é disseminar o conceito de responsabilidade empresarial, executivos das
mais importantes empresas instaladas no Brasil se reuniram para
aprender a desenvolver ações comunitárias.
Dentro e fora do governo, formam-se lideranças e gestores com
conhecimentos em políticas sociais, que aprendem como trabalhar em cima de indicadores e
normas da boa administração.
Não são apenas amadores e gente
bem-intencionada, mas técnicos.
Disseminam-se associações de
rua e de bairro, entidades de defesa de direitos humanos, do ambiente, da educação pública, da
saúde, e assim por diante.
Nesse contexto de ebulição do
capital humano, faz sentido o
que, à primeira vista, uma aparente contradição. Numa mesma
semana, uma Daslu e um Jardim
Ângela, com suas orgulhosas Casas Bahia, atraíram atenção internacional e representam o que
há de pior e melhor numa comunidade.
PS- Podem escrever: com a redução de 73% no índice de assassinatos em tão pouco tempo e pela
articulação de tantas e tão diversas parcerias - e tamanhas adversidades- o Jardim Ângela vai
ter, nas políticas sociais para as
metrópoles, o impacto que Curitiba exerce nas questões urbanas. O
modelo das roupas da Daslu evapora, mas o do Jardim Ângela é
para sempre.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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