São Paulo, Domingo, 12 de Setembro de 1999
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AMBIENTE
"Interruptores endócrinos" prejudicam aparelho reprodutor masculino e desempenho intelectual
País ainda ignora ameaça à fertilidade


MARCELO LEITE
especial para a Folha

O principal debate internacional sobre substâncias tóxicas dos anos 90 apenas engatinha no Brasil. Nem tradução existe, ainda, para os "endocrine disrupters": interruptores endócrinos ou lesionadores hormonais? Qualquer que seja o nome em português, representam, eles sim, um perigo da globalização.
Nessa classe de substâncias cabe muita coisa, do inseticida DDT a alguns de seus substitutos para uso doméstico (piretróides), das dioxinas e furanos resultantes da produção de plásticos como o PVC a herbicidas e fungicidas, de produtos de limpeza a aditivos alimentares, de HCBs a PCBs -a sopa industrial de letras indigestas não parece ter fim.
Até em plástico de mamadeira eles podem estar presentes. Ou em artefatos de uso hospitalar, como cateteres e frascos de soro (a fabricante norte-americana Baxter, por exemplo, já anunciou que vai banir o PVC de sua linha).
A característica comum a esses compostos é a capacidade de imitar fluidos sinalizadores do organismo humano, sobretudo o estrógeno (hormônio feminino). Eles se ligam aos sensores (receptores químicos nas células) de que dispõe o corpo para detectar a presença do hormônio.
Certas vezes agem como o próprio hormônio, desencadeando processos ou inibindo outros. Por vezes, só bloqueiam os receptores, impedindo-os de captar a presença do estrógeno.
Apesar de ainda haver controvérsia sobre seus efeitos, suspeita-se que possam ser devastadores. Os interruptores são apontados como responsáveis por uma certa feminilização da população masculina, a começar pela queda na contagem de espermatozóides.
Outra desconfiança em relação a essas substâncias, que também são chamadas de agentes hormonalmente ativos (HAAs, em inglês), é que afetem o aparelho reprodutor masculino. Fetos expostos no desenvolvimento a esses poluentes, que não se intimidam diante da barreira placentária, podem nascer com malformações.
Entre elas estaria a criptorquidia, ou criptorquia: testículos que não completam sua descida para o escroto, permanecendo na cavidade abdominal. Outra é a hipospadia: desenvolvimento insuficiente da uretra, que se abre antes da ponta do pênis.
Não são apenas os homens que estão sob ameaça, no entanto. O estrógeno também participa da regulação do funcionamento do cérebro. Algumas pesquisas sugerem que os HAAs podem prejudicar o futuro desempenho cognitivo de crianças expostas, meninas inclusive (diminuição da memória e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor).
Além disso, esses poluentes também estão sendo relacionados com distúrbios do aparelho reprodutor feminino, como a antecipação da menarca (primeira menstruação) e a endometriose (crescimento de células de revestimento do útero no abdômen). Acredita-se que, nos últimos dois séculos, as meninas estão menstruando até quatro anos mais cedo (aos 13 anos, em média).
"O mais importante é o que está acontecendo com a inteligência e o comportamento, (mas) nós estamos presos às questões de sexo", disse à Folha Theo Colborn, 72, cientista-chefe do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Ela é uma das autoras do livro "O Futuro Roubado", lançado em 1997 no Brasil, sem grande repercussão.
"Hormônios da tireóide e inteligência não têm tanto apelo. Isso não vende", afirma. "É uma questão muito séria, porque estamos solapando o potencial de nossas crianças."


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