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AMBIENTE
"Interruptores endócrinos" prejudicam aparelho reprodutor masculino e desempenho intelectual
País ainda ignora ameaça à fertilidade
MARCELO LEITE
especial para a Folha
O principal debate internacional sobre substâncias tóxicas dos
anos 90 apenas engatinha no Brasil. Nem tradução existe, ainda,
para os "endocrine disrupters":
interruptores endócrinos ou lesionadores hormonais? Qualquer
que seja o nome em português,
representam, eles sim, um perigo
da globalização.
Nessa classe de substâncias cabe
muita coisa, do inseticida DDT a
alguns de seus substitutos para
uso doméstico (piretróides), das
dioxinas e furanos resultantes da
produção de plásticos como o
PVC a herbicidas e fungicidas, de
produtos de limpeza a aditivos
alimentares, de HCBs a PCBs -a
sopa industrial de letras indigestas não parece ter fim.
Até em plástico de mamadeira
eles podem estar presentes. Ou
em artefatos de uso hospitalar, como cateteres e frascos de soro (a
fabricante norte-americana Baxter, por exemplo, já anunciou que
vai banir o PVC de sua linha).
A característica comum a esses
compostos é a capacidade de imitar fluidos sinalizadores do organismo humano, sobretudo o estrógeno (hormônio feminino).
Eles se ligam aos sensores (receptores químicos nas células) de que
dispõe o corpo para detectar a
presença do hormônio.
Certas vezes agem como o próprio hormônio, desencadeando
processos ou inibindo outros. Por
vezes, só bloqueiam os receptores, impedindo-os de captar a
presença do estrógeno.
Apesar de ainda haver controvérsia sobre seus efeitos, suspeita-se que possam ser devastadores.
Os interruptores são apontados
como responsáveis por uma certa
feminilização da população masculina, a começar pela queda na
contagem de espermatozóides.
Outra desconfiança em relação
a essas substâncias, que também
são chamadas de agentes hormonalmente ativos (HAAs, em inglês), é que afetem o aparelho reprodutor masculino. Fetos expostos no desenvolvimento a esses
poluentes, que não se intimidam
diante da barreira placentária, podem nascer com malformações.
Entre elas estaria a criptorquidia, ou criptorquia: testículos que
não completam sua descida para
o escroto, permanecendo na cavidade abdominal. Outra é a hipospadia: desenvolvimento insuficiente da uretra, que se abre antes
da ponta do pênis.
Não são apenas os homens que
estão sob ameaça, no entanto. O
estrógeno também participa da
regulação do funcionamento do
cérebro. Algumas pesquisas sugerem que os HAAs podem prejudicar o futuro desempenho cognitivo de crianças expostas, meninas
inclusive (diminuição da memória e atraso no desenvolvimento
neuropsicomotor).
Além disso, esses poluentes
também estão sendo relacionados
com distúrbios do aparelho reprodutor feminino, como a antecipação da menarca (primeira
menstruação) e a endometriose
(crescimento de células de revestimento do útero no abdômen).
Acredita-se que, nos últimos dois
séculos, as meninas estão menstruando até quatro anos mais cedo (aos 13 anos, em média).
"O mais importante é o que está
acontecendo com a inteligência e
o comportamento, (mas) nós estamos presos às questões de sexo", disse à Folha Theo Colborn,
72, cientista-chefe do Fundo
Mundial para a Natureza (WWF).
Ela é uma das autoras do livro "O
Futuro Roubado", lançado em
1997 no Brasil, sem grande repercussão.
"Hormônios da tireóide e inteligência não têm tanto apelo. Isso
não vende", afirma. "É uma questão muito séria, porque estamos
solapando o potencial de nossas
crianças."
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