|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Poluição hormonal é um assunto novo
especial para a Folha
"Deveria ser uma grande preocupação para vocês (no mundo
em desenvolvimento), porque
vocês estão usando a mesma tecnologia que está nos contaminando", alerta Theo Colborn, preocupada sobretudo com a reciclagem
e a fabricação de plásticos.
"O Brasil está longe disso. A comunidade científica não acordou
para o problema. Aqui não se faz
a conexão entre poluição e saúde", diz Marcelo Furtado, 35, engenheiro químico que coordena o
setor no Greenpeace do Brasil.
"A gente ainda tem muito chão
para andar", diz o toxicologista
Angelo Trapé, 47, da Unicamp,
que se preocupa com o uso de
agrotóxicos classificados como
HAAs. "Contaminação alimentar
no Brasil é um grande desafio."
Trapé diz que as discussões são
muito permeadas por razões de
ordem econômica. Teme-se, por
exemplo, prejudicar a exportação
de produtos agrícolas brasileiros.
"O ministério vai ficar só como
analisador de dados do fabricante
(de agrotóxicos) para dar ou não
dar licença? Ou vai para a outra
ponta ver o que está acontecendo
no campo?", pergunta.
Trapé está começando a montar
um laboratório para analisar a
presença de substâncias de difícil
detecção, como a dioxina, em material biológico humano (leite e
gorduras). Para desenvolver essa
capacidade, porém, precisa de
uns cinco anos.
Antes disso deve ficar pronta a
tese de doutoramento de um de
seus orientandos, Ana Maria Braga, da Fiocruz, no Rio. Com auxílio do único laboratório no país
aparelhado para fazer esse tipo de
análise (Cegeq/Cenpes, da Petrobras), Ana Maria vai procurar
dioxinas em leite materno e leite
in natura (de vaca).
O mesmo Cenpes deve começar
em breve a analisar 50 amostras
de alimentos por mês para o Ministério da Saúde. Em São Paulo, a
agência ambiental Cetesb também está montando seu laboratório para detectar dioxinas, que deve entrar em operação dentro de
quatro meses.
Paulo Ferreira, 56, diretor de
Controle de Poluição Ambiental
da Cetesb, não acredita que dioxinas apareçam por toda parte,
quando se iniciar a procura: "Tenho a impressão de que não".
Quem já procurou algo semelhante, e achou, foi a médica sanitarista Agnes Soares da Silva, 42.
Hoje ela mora na Holanda, onde
trabalha como consultora ambiental. Em 1994, analisou o leite
de 40 mulheres na Baixada Santista. Destas, 23 residiam em Samaritá, periferia de São Vicente onde
foram encontrados lixões de resíduos tóxicos de uma fábrica da
Rhodia em Cubatão (leia texto
nesta página sobre operários contaminados).
O interruptor endócrino HCB
(hexaclorobenzeno) foi encontrado em 20 amostras de leite materno. Além de 14 mulheres de Samaritá, a contaminação manifestou-se também em 6 outras do
grupo de controle. Todas as
amostras continham DDT, outro
interruptor.
"O HCB não é normalmente encontrado na população brasileira,
ao contrário do DDT e do HCH
(lindano), que frequentemente
são encontrados mesmo na população geral, provavelmente exposta por meio de alimentos contaminados por pesticidas", diz a
médica.
Ela acha que as autoridades brasileiras deveriam começar a monitorar sistematicamente alimentos como leite, manteiga, peixe e
carne. Os HAAs, ou interruptores
endócrinos, demoram muito a
degradar-se no ambiente e se acumulam principalmente na gordura de animais expostos a eles de
forma contínua, ainda que em
doses muito baixas (até na gordura de ursos polares já foram encontrados).
"Tudo que for relacionado à vida tem valor ético e não material.
Acho porém que preocupar-se
com contaminação ambiental e
não se preocupar com acesso a
pré-natal e assistência ao parto de
boa qualidade, a alimentos adequados, a escolas e creches etc. é
tergiversar sobre o assunto."
(ML)
Texto Anterior: Ambiente: País ainda ignora ameaça à fertilidade Próximo Texto: Relatório norte-americano reacende a controvérsia Índice
|