São Paulo, Domingo, 12 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Poluição hormonal é um assunto novo

especial para a Folha

"Deveria ser uma grande preocupação para vocês (no mundo em desenvolvimento), porque vocês estão usando a mesma tecnologia que está nos contaminando", alerta Theo Colborn, preocupada sobretudo com a reciclagem e a fabricação de plásticos.
"O Brasil está longe disso. A comunidade científica não acordou para o problema. Aqui não se faz a conexão entre poluição e saúde", diz Marcelo Furtado, 35, engenheiro químico que coordena o setor no Greenpeace do Brasil.
"A gente ainda tem muito chão para andar", diz o toxicologista Angelo Trapé, 47, da Unicamp, que se preocupa com o uso de agrotóxicos classificados como HAAs. "Contaminação alimentar no Brasil é um grande desafio."
Trapé diz que as discussões são muito permeadas por razões de ordem econômica. Teme-se, por exemplo, prejudicar a exportação de produtos agrícolas brasileiros.
"O ministério vai ficar só como analisador de dados do fabricante (de agrotóxicos) para dar ou não dar licença? Ou vai para a outra ponta ver o que está acontecendo no campo?", pergunta.
Trapé está começando a montar um laboratório para analisar a presença de substâncias de difícil detecção, como a dioxina, em material biológico humano (leite e gorduras). Para desenvolver essa capacidade, porém, precisa de uns cinco anos.
Antes disso deve ficar pronta a tese de doutoramento de um de seus orientandos, Ana Maria Braga, da Fiocruz, no Rio. Com auxílio do único laboratório no país aparelhado para fazer esse tipo de análise (Cegeq/Cenpes, da Petrobras), Ana Maria vai procurar dioxinas em leite materno e leite in natura (de vaca).
O mesmo Cenpes deve começar em breve a analisar 50 amostras de alimentos por mês para o Ministério da Saúde. Em São Paulo, a agência ambiental Cetesb também está montando seu laboratório para detectar dioxinas, que deve entrar em operação dentro de quatro meses.
Paulo Ferreira, 56, diretor de Controle de Poluição Ambiental da Cetesb, não acredita que dioxinas apareçam por toda parte, quando se iniciar a procura: "Tenho a impressão de que não".
Quem já procurou algo semelhante, e achou, foi a médica sanitarista Agnes Soares da Silva, 42. Hoje ela mora na Holanda, onde trabalha como consultora ambiental. Em 1994, analisou o leite de 40 mulheres na Baixada Santista. Destas, 23 residiam em Samaritá, periferia de São Vicente onde foram encontrados lixões de resíduos tóxicos de uma fábrica da Rhodia em Cubatão (leia texto nesta página sobre operários contaminados).
O interruptor endócrino HCB (hexaclorobenzeno) foi encontrado em 20 amostras de leite materno. Além de 14 mulheres de Samaritá, a contaminação manifestou-se também em 6 outras do grupo de controle. Todas as amostras continham DDT, outro interruptor.
"O HCB não é normalmente encontrado na população brasileira, ao contrário do DDT e do HCH (lindano), que frequentemente são encontrados mesmo na população geral, provavelmente exposta por meio de alimentos contaminados por pesticidas", diz a médica.
Ela acha que as autoridades brasileiras deveriam começar a monitorar sistematicamente alimentos como leite, manteiga, peixe e carne. Os HAAs, ou interruptores endócrinos, demoram muito a degradar-se no ambiente e se acumulam principalmente na gordura de animais expostos a eles de forma contínua, ainda que em doses muito baixas (até na gordura de ursos polares já foram encontrados).
"Tudo que for relacionado à vida tem valor ético e não material. Acho porém que preocupar-se com contaminação ambiental e não se preocupar com acesso a pré-natal e assistência ao parto de boa qualidade, a alimentos adequados, a escolas e creches etc. é tergiversar sobre o assunto." (ML)


Texto Anterior: Ambiente: País ainda ignora ameaça à fertilidade
Próximo Texto: Relatório norte-americano reacende a controvérsia
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.