São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997.



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EDUCAÇÃO 3
"É preciso dar o diferente"
Bosi propõe insistir com os clássicos

da Equipe de Articulistas

Alfredo Bosi, 60, professor-titular de literatura brasileira da faculdade de letras da Universidade de São Paulo (USP), foi professor de primeiro grau nos anos 60.
Em entrevista à Folha em São Paulo, ele contou que seus alunos liam então entusiasmados de José de Alencar ao padre Vieira.
Um dos mais respeitados intelectuais brasileiros, autor da "História Concisa da Literatura Brasileira" e atual diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, Bosi acha que "salutar é dar ao aluno aquilo que é diferente de sua experiência cotidiana."
(MARILENE FELINTO)

Folha - O sr. foi professor de português de primeiro grau. Como ensinava literatura?
Alfredo Bosi -
Minha experiência como professor de ginásio é dos anos 60. Dei aula em colégio do Estado, em colégio particular, no Santa Cruz, no Mackenzie.
Nesse período, eu de fato fazia os alunos dessas séries lerem, e eles liam bastante, textos que a gente pode chamar de estritamente literários.
No caso da 4ª série daquela época, hoje 8ª, eu me lembro que eles liam Alencar, Machado, sobretudo as obras da primeira fase.
Liam Taunay,"Inocência", e chegavam até o começo do século, liam Lima Barreto. E me parece que com bastante proveito. Eu pedia que eles fizessem fichas de leitura, sempre dentro do nível que se podia esperar, de 7ª e 8ª séries.
Embora já fosse uma época de plena expansão da televisão e da história em quadrinhos, que tudo isso vem dos anos 50, a gente conseguia fazer com que eles lessem e trabalhassem. E alguns de maneira muito boa. Naquela altura, se o professor estivesse motivado para fazer ler, ele conseguia fazer com que a obra de literatura tradicional fosse lida.
Folha - O sr. conhece o ensino de literatura na escola hoje? O livro compete com o computador?
Bosi -
No presente momento, fica difícil eu responder, a não ser por informações isoladas e empíricas que eu tenho aqui e ali, em que vejo que diminuiu mesmo essa carga de literatura, substituída não sei se tanto pela informática, mas por livros que se dizem de literatura infantil e juvenil, e que foram publicados em uma quantidade espantosa pelas editoras a partir dos anos 70, livros escritos propositadamente para as classes.
É o caso de se fazer uma análise crítica desses textos e ver se eles podem ser chamados de literatura ou se são apenas um trabalho meio comercial, meio demagógico.
Pelo que vi, sem especificar nomes de autores, em coleções inteiras, são obras que querem aliciar o adolescente, misturando coisas muito modernas, muito recentes, com história em quadrinhos, em uma linguagem que não é nem literária nem oral. A minha impressão foi muito negativa. Mas eu não sei até que ponto isso substituiu de fato o cânone literário.
Folha - Digamos que esteja havendo essa substituição. O sr. acha que se deve insistir em dar a literatura tradicional?
Bosi -
Dentro dos limites da minha experiência, sim. Penso que se deve começar dando ao aluno coisas que sejam muito diferentes do cotidiano dele. Ao passo que o outro ponto de vista quer que se comece por aquilo que seria hipoteticamente familiar, a ser repetido na escola. A minha experiência é muito oposta a isso.
Quando eu dava aulas no colegial, por exemplo, pedia leituras de Gil Vicente, de Camões, até Vieira, e conseguia entusiasmar os alunos, que subiam em cima da mesa e declamavam episódios do Adamastor (do poema épico de "Os Lusíadas"). Eu tive a sensação de que o clássico é clássico porque dura. É claro que a gente precisa fazer uma triagem dentro dessa enorme tradição. E a triagem se faz constantemente.
Então, dentro dos estritos limites da minha experiência, acho que dar aquilo que é muito diferente é salutar. A ponto de dizer que eu manteria isso ainda hoje.
Folha - Se o professor de português hoje não dá conta de ensinar literatura por ser mal formado e mal pago, deveria haver um professor somente para literatura, desde o primeiro grau?
Bosi -
Olhe, é uma idéia original essa que você está colocando. Não sei se essa experiência já foi feita em algum lugar...
Folha - Não sei. É um pensamento que eu tive, visitando as escolas para essa reportagem.
Bosi -
Eu conheço bem a experiência italiana e a francesa, pelos anos de estudo lá e por já ter ido várias vezes. Nesses dois países, onde ainda existe um estudo de literatura muito intenso, a matéria de fato é dada junto com a respectiva língua nacional. Não existe um professor de literatura à parte.
Então, para mim, a sua é uma hipótese nova. Se de fato os professores de língua não estão conseguindo manter um estudo literário, por motivos vários que não cabe agora discutir, essa hipótese seria viável, talvez.
Mas por tudo que conheço da minha experiência, o professor de língua portuguesa pode dar tudo a partir dos livros de literatura. Quando dei aula no Santa Cruz, por exemplo, indicava um livro a cada dois meses, e a avaliação se fazia bimestralmente, sendo que o centro mesmo da unidade didática era aquele livro. A partir dele é que se viam as informações de língua, linguagem e gramática.
Mas, se o professor de português não está dando conta, se não é o homem capacitado para ensinar literatura, e eu imagino que seja assim mesmo, pois chegam a me dizer que só 5% dos professores da rede pública é que são formados pela Universidade de São Paulo, embora esses números devam ser verificados de perto, então você não tem controle nenhum sobre o que está acontecendo.
Se a situação é essa, talvez a introdução de um professor que pense estritamente a literatura seja a solução. Quem sabe alguém faz uma experiência com isso.




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