São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2000

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SAÚDE SEXUAL

Em Belo Horizonte, profissionais do sexo usam preservativos com clientes, mas não com parceiros fixos

Campanhas mudam hábitos de prostitutas

DULCE BENIGNA ALVARENGA
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Pelo menos no que se refere ao uso de preservativo com os clientes, as campanhas de prevenção à Aids e a outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) conseguiram mudar o comportamento das prostitutas da Zona Grande, área de prostituição em Belo Horizonte (MG).
No entanto, elas ainda resistem a utilizar o preservativo nas relações com os namorados ou maridos. Segundo pesquisa feita pela organização não-governamental Musa, enquanto praticamente todas as mulheres utilizam preservativo com os clientes, apenas 3 em cada 10 usam camisinhas com seus parceiros fixos, em geral por considerarem o preservativo uma barreira à intimidade.
As mulheres da Zona Grande, no entanto, reclamam que têm dificuldades para adquirir o preservativo. Como a cota que é distribuída gratuitamente pelo Ministério da Saúde é insuficiente, elas precisam comprar camisinhas.
Por isso adquirem preservativos mais baratos, sem selo do Inmetro e com maior probabilidade de rompimento.
A pesquisa do grupo Musa foi feita no ano passado para avaliar a eficiência de ações educativas realizadas na região. O levantamento faz parte de um programa do Ministério da Saúde, que vai realizar este ano pesquisas com este objetivo em dez cidades brasileiras.
O estudo -que fez o perfil socioeconômico e demográfico das prostitutas- concluiu também que a maior parte delas é razoavelmente informada sobre Aids e DSTs e que campanhas educativas são a sua principal fonte de informação.

Perfil
Elas têm em média 30 anos, são pardas, solteiras, possuem baixa escolaridade e pertencem a famílias da classe média-baixa e baixa. Quatro em cada dez têm parceiro fixo: namorado ou marido.
A iniciação sexual ocorre aos 16 anos em média, ou 3,5 anos mais cedo que a média das brasileiras (verificada em pesquisa da Organização Mundial de Saúde). Oito em cada dez já ficaram grávidas, mas nem todas são mães, já que muitas abortam, de forma provocada ou espontânea. As que são mães têm 2 filhos, em média. Os pais dessas crianças quase sempre são os parceiros fixos.
Os resultados sobre o acesso a serviço de saúde mostram que 9 em cada 10 prostitutas teve ao menos uma consulta ginecológica no último ano. Metade dessas consultas foi por meio do serviço público de saúde e a outra metade na rede particular -21% tem algum tipo de seguro de saúde privado.
Entretanto, apenas 1/4 das prostitutas da Zona Grande não fez exame de Aids, em geral por medo de ter um resultado positivo.
Somente 16% das entrevistadas admitiram ter tido alguma DST, um número bem abaixo do esperado pelos pesquisadores.
Para a presidente do Musa, isso pode ser um reflexo do maior uso de camisinhas, mas ela não descarta também a possibilidade de que elas omitiram ou não fizeram um diagnóstico correto.

Sucesso
Os dados mostram que as campanhas educativas foram bem sucedidas na região em muitos aspectos. Principalmente no que se refere à disseminação de conhecimento e à consolidação de atitudes de prevenção.
Oito em cada dez entrevistadas disseram que mudaram seu comportamento após receber mais informação sobre a Aids, que definem como uma doença incurável e que leva à morte.
Mais da metade recebeu informação de cartilhas distribuídas pelo governo ou por ONGs, sendo que 35% receberam informação de monitoras e cartilhas do Musa.
Para a ONG, a pesquisa também mostra dados positivos sobre a atitude das prostitutas da Zona Grande em relação ao uso de preservativo com clientes.
Quase todas (95%) se recusam a atender clientes que não querem usar camisinha e nenhuma admitiu reutilizar preservativos.

Desafios
Alguns resultados, entretanto, apontam pontos em que as campanhas de prevenção parecem estar falhando.
Ao final da entrevistas, as mulheres foram solicitadas a colocarem preservativo em um modelo, sendo observadas pelos entrevistadores. A maioria -7 em cada 10- não conferiu a validade, e 2 não colocaram a camisinha de modo correto.
O hábito de usar duas camisinhas juntas também persiste. A maior parte das prostitutas -6 em cada 10- concorda que usar duas camisinhas é uma vantagem. Na verdade, a fricção entre as camisinhas aumenta a possibilidade de ruptura.
A questão da resistência ao uso do preservativo com o parceiro fixo é um desafio. Vontade de agradar o companheiro que não gosta de usar camisinha e a própria vontade de não utilizar o preservativo possuem o mesmo peso na decisão das prostitutas, com 32% de respostas cada.
Na opinião da presidente do Musa, Mônica Bara Maia, usar a camisinha com um cliente não é um problema porque, nesse caso, ela ajuda a manter uma distância desejável. Porém, com o marido ou o namorado, a camisinha é vista como barreira à intimidade.
As mulheres da Zona Grande afirmam que adquirir o preservativo é, muitas vezes, mais difícil que convencer o cliente a usar a camisinha.
Prostitutas da região ouvidas pela reportagem da Folha disseram que o número de preservativos distribuídos gratuitamente pelo Ministério da Saúde é insuficiente. Segundo Rosa, 39, muitas mulheres não têm dinheiro para comprar preservativos.
Ela diz que recebe 20 camisinhas por mês do Ministério da Saúde: 15 masculinas e 5 femininas. O número, segundo ela, é o suficiente para apenas um dia.
"Vinte camisinhas para uma prostituta por mês...Isso é suficiente para mulher casada evitar filho."






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