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São Paulo, quarta-feira, 12 de novembro de 2003

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ARTIGO

Educar é ensinar a conhecer situações de risco

ROSELY SAYÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Tragédias que envolvem violência contra adolescentes e jovens e acabam em morte nos deixam -a todos- em sobressalto. Os pais, em especial, entram em pânico. É compreensível: "Poderia ter acontecido com meu filho" é o que identificam -e temem- os pais. De imediato, o impulso tende a ser o de aumentar a proteção em torno dos filhos, o de apertar o cerco da vigilância, o de intensificar a tutela sobre a vida deles.
O fato é que explorar e experimentar a vida em todas as suas possibilidades, hoje, é muito mais arriscado. "Viver perigosamente" deixou de ser uma expressão charmosa que apontava alguns comportamentos típicos de adolescentes para tornar-se uma frase com sentido bem concreto e ameaçador.
Isso exige, mesmo com a tristeza e a angústia em alta provocadas pelas notícias, reflexões sobre caminhos educativos antes percorridos sem muita atenção.
Adolescentes sempre mentiram aos pais para alcançar o que queriam. E vão continuar mentindo. Os pais de hoje, que já passaram por essa fase, sabem bem disso. É um modo de se afirmarem em seus caminhos, de confrontarem a autoridade, de buscarem a realização para seus anseios. No mundo atual, aceitar o fato exige atenção redobrada na educação desde quando os filhos são bem pequenos.
Agora, é também tarefa importante da educação, tanto da familiar quanto da escolar, ensinar crianças e adolescentes a saber reconhecer situações de risco para evitá-las e/ou contorná-las, a procurar construir e usar fatores de proteção e segurança para se assegurarem de um mínimo de precaução e a identificar fragilidades para conseguir pedir ajuda ou abdicar de certas vontades.
Um exemplo simples é a maneira de a escola de educação infantil funcionar atualmente. Em geral, ela oferece um ambiente quase totalmente seguro, a fim de poupar a criança de incidentes no período em que está lá. Com essa nova responsabilidade, a escola deveria permitir um ambiente com todas as dificuldades presentes no mundo para que a criança aprendesse a se defender dos riscos, a se proteger quando necessário e a pedir ajuda para superar os obstáculos.
Tudo isso é muito mais efetivo -apesar de também não oferecer garantia alguma- do que proteger os filhos diretamente, o que sempre pode acarretar menos autonomia de vida para eles. Além disso, essa é a tarefa da educação: preparar para a vida, mesmo que ela se mostre tão insana quanto agora, e tutelar discretamente -mas com rigor- o modo como eles administram seus primeiros passos sozinhos. Isso exige muito mais dos pais de hoje e torna a tarefa educativa muito mais trabalhosa. Mas, como é o maior legado que os pais podem deixar ao filho, não dá para não encarar.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)


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