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URBANIDADE
Ilustração Vincenzo Scarpellini
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CRIME ACÚSTICO Os motores em dois tempos das motocicletas são mais rumorosos do que os que movem os carros e ajudam a criar a selva de decibéis que assedia os paulistanos. Contudo ainda seria pouco se não circulassem motos em estilo nostálgico, que se movem em sua esfera de barulho chique e, pior, motos com escapamento retirado, verdadeira humilhação à dignidade das orelhas. (VINCENZO SCARPELLINI)
A capital da solidão
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Às vésperas de completar 450 anos, São Paulo
sintetiza a solidão coletiva no assassinato do casal de namorados
Felipe Silva Caffé e Liana Friedenbach.
Os corpos juvenis, dilacerados,
condensaram o estado de ânimo
de uma cidade que se sente
abandonada, desamparada e
indefesa. Entramos no século 21,
a chamada era do conhecimento, vivendo acuados e praticamente escondidos em cavernas
-versões pré-históricas dos condomínios-, com a suspeita de
que, a qualquer momento, quase
ao acaso, pode acontecer alguma tragédia. Coabitam intimamente a tecnologia de informação mais sofisticada, que gera redes eletrônicas de diálogo, com a
barbárie da falta de contato.
Na terça-feira à noite, quando
terminou o suspense de dez dias
e se revelaram os detalhes escabrosos do crime, espalhou-se um
sentimento de derrota coletiva.
Muitos viram naqueles corpos
um pouco de seus irmãos e filhos.
Ou mesmo um pouco de si próprios. Doeu especialmente o fato
de que Felipe e Liana queriam
encontrar a paixão, na paisagem bucólica, protegida -e se
perderam da vida. É como se dissessem que, nesta cidade, sonhar
é perigoso.
Para definir São Paulo em seus
primeiros séculos, quando ainda
não se notavam os sinais da metrópole vigorosa e criativa, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo dá-lhe o título, em seu livro
lançado nesta semana, de "A
Capital da Solidão". Por séculos,
a cidade não passou de um vilarejo quase esquecido, apenas um
ponto de passagem.
Mas São Paulo empanturrou-se de gente, que vive espremida,
mas tão distante. A violência do
convívio diário, provocada pelo
medo do próximo, destroçou o
sentido de comunidade. O outro
passou a ser um risco; o espaço
público, um campo de batalha.
O casal de namorados despertou, pelo medo, uma espessa onda de solidariedade e produziu a
sensação fugaz e acolhedora de
coletividade, de humanidade.
Todos se perceberam na mesma
trincheira, bombardeados por
inimigos sem farda, sem líderes.
A guerra declarada entre nações
é mais reconfortante pela possibilidade, ainda que remota, de
haver um interlocutor com o
qual assinar um tratado de
paz. Não sabemos com quem
dialogar.
Na tragédia de Felipe e Liana
está a tragédia de uma cidade de
homens e mulheres solitários.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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