São Paulo, sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VOLTA PARA CASA

Débora Silva de Oliveira pôde deixar a internação graças a um aparelho que a ajuda a respirar, obtido na Justiça

Menina dá adeus a sete anos de hospital

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

A porta do elevador abre no andar térreo do Hospital São Paulo, na zona sul da capital paulista. De dentro, sobre uma maca, sai Débora Silva de Oliveira, de sete anos e seis meses, para conhecer, pela primeira vez na vida, o mundo.
Durante os sete anos de sua vida, o mundo da menina esteve confinado entre as quatro paredes beges da Unidade Intensiva Pediátrica do hospital.
Na saída, Débora arregalava os olhos -como se pudesse ver mais com eles bem abertos- e observava tudo: o movimento das pessoas que se aglomeram na porta de entrada do hospital, as lágrimas das enfermeiras, a chuva e cada detalhe do interior da ambulância que a transportou para a casa de sua mãe, onde nunca tinha estado antes, na cidade de Carapicuíba (Grande São Paulo).

Em casa
Débora sofre de uma doença crônica, genética e degenerativa conhecida como distrofia muscular progressiva. A menina não pode sobreviver sem a ajuda de um aparelho que simula os movimentos dos pulmões.
Desde que a doença foi diagnosticada, quando Débora tinha apenas seis meses de idade, mãe e filha se mudaram para o hospital.
De lá para cá, seus pais se separaram, sua irmã mais velha teve dois filhos, seus outros dois irmãos cresceram, sua família mudou de casa e muitos de seus colegas de hospital tiveram alta.
A saída do Hospital São Paulo só foi possível porque a mãe de Débora, Silvana Bezerra da Silva, conseguiu na Justiça um aparelho que permite a sua filha viver na casa da família.
Na bagagem da volta para Carapicuíba -além dos bichinhos de pelúcia batizados com os nomes das enfermeiras do hospital e da maquiagem que Débora gosta de usar diariamente- estavam também o ventilador mecânico domiciliar que propiciou a mudança de lar, um oxímetro de pulso, um aspirador de secreção, um cilindro de oxigênio, soro, luvas e sondas.
A mãe teve de passar por um treinamento de 30 dias para poder cuidar da filha sem o amparo permanente da equipe médica.
Para poder transformar em realidade o sonho de ver os seus filhos reunidos, Silvana teve de mudar de endereço: do fundo da casa do ex-sogro para um sobrado de dois cômodos.
Teve também de providenciar uma reforma na parte elétrica da moradia, que precisava de estabilidade para dar conta da aparelhagem de que Débora necessita para seguir respirando.
Silvana ainda ganhou uma cama hospitalar e a alimentação especial que sua filha consome diariamente.
Somente o alimento lhe custaria R$ 350 por mês -custo superior aos R$ 270 que recebe mensalmente garantidos pela Lei Orgânica de Assistência Social.
Para complementar a renda, Silvana agora pretende vender pastéis e salgados na porta de sua casa, que fica próxima a uma escola.

Sobrancelhas
Por conta da doença, Débora tem os músculos de todo o corpo flácidos. A não ser por um dedo da mão esquerda, a menina praticamente não se movimenta.
Para se comunicar, Débora emite alguns sons -que praticamente só sua mãe compreende- e utiliza as sobrancelhas, que franze quando quer dizer "não" e estica para dizer "sim".
"Se as sobrancelhas sobem e descem rapidamente, é um sinal de que ela está gostando do que vê ou ouve", explica a psicóloga Maria Dirce Benedito, que acompanhou Débora desde seu primeiro dia no hospital.
"Dá para ver que ela está ansiosa e feliz. Existe um brilho no olhar e um jeitinho que ela faz com a boca que demonstram isso."

Nova casa
Ao chegar em casa, durante a chuva forte que caiu na tarde de ontem na Grande São Paulo, Débora foi recebida pelos irmãos, sobrinhos e vizinhos.
Será que sua nova casa é do jeito que Débora imaginava? As sobrancelhas esticadas e um leve sorriso mostram que sim.
A mãe agora terá de lidar com o ciúmes dos outros filhos, que cresceram longe de seus cuidados. "Ela quase nunca está perto de mim. Senti muito a falta dela durante toda a vida. Mas tive de compreender que era por causa da Dedé, já que não tinha outro jeito", diz Aline, 11, segunda filha mais nova de Silvana.
Na casa nova, a equipe multidisciplinar que a Prefeitura de Carapicuíba dispensou para fazer o tratamento da garota também aguardava por Débora.
"Nós estamos devolvendo a Débora para o mundo e uma mãe para sua família", afirmou -com os olhos mareados- a assistente social Roseli Monteiro Robles, que acompanhou todo o tratamento feito por Débora e auxiliou a mãe no processo que levou a filha dela para casa.
Há sete meses, Silvana e Roseli entraram com uma ação na Justiça para conseguir o aparelho domiciliar de ventilação de ar. Depois de muita espera, um juiz da 3ª Vara da Infância e Juventude de Carapicuíba lhes deu a vitória com base em uma portaria do Ministério da Saúde, a 1.531/2001, que assegura direitos aos deficientes. O aparelho foi proporcionado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
"Quando o rapaz da empresa que representa o fabricante do aparelho chegou para entregá-lo, ele disse que nunca havia visto uma família pobre conseguir um daqueles", conta Roseli. "Eu espero que, agora, outras famílias se mobilizem para conseguir essa mesma conquista."


Texto Anterior: Nova Rebouças: Moradores cobram obras nas calçadas
Próximo Texto: Longe do picadeiro: Para conter prole, leão sofre vasectomia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.