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LETRAS JURÍDICAS
95 anos de Miguel Reale
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Miguel Reale chegou aos
95 anos de idade merecendo as homenagens recebidas,
continuando a trabalhar ativamente mesmo em idade tão
avançada no tempo. Lembro-me
de suas aulas no quinto ano da
Faculdade de Direito, no largo de
São Francisco, quando se empenhava em nos traduzir o significado de sua teoria tridimensional
do direito, com a qual fazia chegar aos alunos do curso noturno,
no quinto ano, a compreensão
mais ampla dos sistemas jurídicos.
O contato dos alunos com Reale
era especialmente interessante,
pois nele a preocupação filosófica
foi marcada, no caso de minha
turma, pela primeira edição (que
conservo como bem precioso) de
sua obra fundamental "Filosofia
do Direito", de 1953, dedicada
aos filhos Ebe, Lívia Maria e Miguel. Antes dela, e a contar dela, o
pensamento jurídico nacional foi
dividido pelo que havia e pelo
atento interesse que sua leitura
passou a despertar. Para nós, os
alunos do dia-a-dia da academia, o ser humano Reale também
era ponto de referência. Ele desenvolvia a linha de seu pensamento filosófico, ao mesmo tempo em que freqüentava a atividade política em anos tumultuados
pelos contrastes da vida nacional.
Marcaram o fastígio do Estado
Novo, de Getúlio Vargas, até as
batalhas eleitorais que resultaram em seu retorno ao poder, até
a morte em 1954.
Talvez a ascensão intelectual
em nosso mundo jurídico, desde
muito jovem, tenha sido o elo da
admiração que Reale despertava
desde a primeira metade do século 20. Foi etapa histórica na qual
a filosofia contou com juristas do
porte de Francisco Campos, Pedro Lessa e João Arruda, sem esquecer Pontes de Miranda. Nesse
tempo, o planeta viveu, sobretudo nos anos 30 e 40, a transformação do ideário político e filosófico. Reale marcou o início de sua
atividade editorial, em contínua
ebulição até hoje, ao publicar, em
1933, "O Estado Moderno", cujo
aprimoramento se cristalizou, de
modo especial, em 1940 (portanto, em pleno curso da Segunda
Guerra Mundial) com seus "Fundamentos do Direito".
Uma das mudanças socioeconômicas consistiu no nascimento
da chamada era da comunicação
e da informação. A tecnologia
mudou todos os conceitos. Levou
à globalização com velocidade
transformadora cuja força está
por ser absorvida. Eis aí um dos
lados mais renovadores de Miguel Reale. Os fundamentos do
que se conhece, no universo dos
jurisfilósofos, como a teoria tridimensional do direito, vieram sendo reexaminados e aprofundados, ao mesmo tempo em que desenvolvia e ampliava novas
idéias, estendendo o horizonte da
interpretação dos valores.
Comunicador natural, os 95
anos do mestre paulista o estimularam aos trabalhos de informação geral, em campos os mais variados das ciências humanas com
avaliação crítica compreensível
para todos, nada obstante a reserva técnica sempre mantida. Onde
estará o cerne dessa visão vivificadora? Talvez se ache resumido
em uma lição de Reale, quando
defende o educar para o bem:
"ninguém pode praticar um ato
moral pela força ou pela coação.
A moral é incompatível com
qualquer idéia ou plano de natureza coercitiva, quer de ordem física quer de ordem psíquica. No
ato moral é essencial a espontaneidade, de tal maneira que a
educação para o bem tem de ser
sempre uma transmissibilidade
espontânea de valores, uma adesão ao valioso, sem qualquer subordinação capaz de violentar a
vontade ou a personalidade". ("O
Direito como Experiência", 1992,
pág. 266).
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