São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

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LETRAS JURÍDICAS

95 anos de Miguel Reale

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Miguel Reale chegou aos 95 anos de idade merecendo as homenagens recebidas, continuando a trabalhar ativamente mesmo em idade tão avançada no tempo. Lembro-me de suas aulas no quinto ano da Faculdade de Direito, no largo de São Francisco, quando se empenhava em nos traduzir o significado de sua teoria tridimensional do direito, com a qual fazia chegar aos alunos do curso noturno, no quinto ano, a compreensão mais ampla dos sistemas jurídicos.
O contato dos alunos com Reale era especialmente interessante, pois nele a preocupação filosófica foi marcada, no caso de minha turma, pela primeira edição (que conservo como bem precioso) de sua obra fundamental "Filosofia do Direito", de 1953, dedicada aos filhos Ebe, Lívia Maria e Miguel. Antes dela, e a contar dela, o pensamento jurídico nacional foi dividido pelo que havia e pelo atento interesse que sua leitura passou a despertar. Para nós, os alunos do dia-a-dia da academia, o ser humano Reale também era ponto de referência. Ele desenvolvia a linha de seu pensamento filosófico, ao mesmo tempo em que freqüentava a atividade política em anos tumultuados pelos contrastes da vida nacional. Marcaram o fastígio do Estado Novo, de Getúlio Vargas, até as batalhas eleitorais que resultaram em seu retorno ao poder, até a morte em 1954.
Talvez a ascensão intelectual em nosso mundo jurídico, desde muito jovem, tenha sido o elo da admiração que Reale despertava desde a primeira metade do século 20. Foi etapa histórica na qual a filosofia contou com juristas do porte de Francisco Campos, Pedro Lessa e João Arruda, sem esquecer Pontes de Miranda. Nesse tempo, o planeta viveu, sobretudo nos anos 30 e 40, a transformação do ideário político e filosófico. Reale marcou o início de sua atividade editorial, em contínua ebulição até hoje, ao publicar, em 1933, "O Estado Moderno", cujo aprimoramento se cristalizou, de modo especial, em 1940 (portanto, em pleno curso da Segunda Guerra Mundial) com seus "Fundamentos do Direito".
Uma das mudanças socioeconômicas consistiu no nascimento da chamada era da comunicação e da informação. A tecnologia mudou todos os conceitos. Levou à globalização com velocidade transformadora cuja força está por ser absorvida. Eis aí um dos lados mais renovadores de Miguel Reale. Os fundamentos do que se conhece, no universo dos jurisfilósofos, como a teoria tridimensional do direito, vieram sendo reexaminados e aprofundados, ao mesmo tempo em que desenvolvia e ampliava novas idéias, estendendo o horizonte da interpretação dos valores.
Comunicador natural, os 95 anos do mestre paulista o estimularam aos trabalhos de informação geral, em campos os mais variados das ciências humanas com avaliação crítica compreensível para todos, nada obstante a reserva técnica sempre mantida. Onde estará o cerne dessa visão vivificadora? Talvez se ache resumido em uma lição de Reale, quando defende o educar para o bem: "ninguém pode praticar um ato moral pela força ou pela coação. A moral é incompatível com qualquer idéia ou plano de natureza coercitiva, quer de ordem física quer de ordem psíquica. No ato moral é essencial a espontaneidade, de tal maneira que a educação para o bem tem de ser sempre uma transmissibilidade espontânea de valores, uma adesão ao valioso, sem qualquer subordinação capaz de violentar a vontade ou a personalidade". ("O Direito como Experiência", 1992, pág. 266).


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