São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2004

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À MARGEM

Estudo indica que condição social do aluno e falta de estímulo são as principais causas do abandono da vida escolar

48% dos "sem-estudo" quer voltar à escola

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Necessidade de trabalhar, falta de interesse pelos estudos, distância entre a escola e a casa. São esses alguns dos principais motivos que levaram 65 milhões de brasileiros com mais de 15 anos a abandonar a escola antes de completar o ensino fundamental.
É isso o que indica um estudo inédito coordenado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com o Instituto Paulo Montenegro (o braço social do Ibope): o "Mapa das crianças, jovens e adultos fora da escola" (leia texto e quadro nesta página).
De acordo com o mapa, apesar dos obstáculos impostos pela condição social e pela falta de estímulo, 48% dos entrevistados desejam retomar os estudos.
Para Ricardo Henriques, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação, a escola "não é capaz de acolher com o encanto necessário quem trabalha".
O mapa foi feito a partir de entrevistas realizadas por estudantes de norte a sul do país e levantou o perfil de milhares de brasileiros que estão fora da escola: 45% dos entrevistados têm renda familiar de até um salário mínimo; 54% são afrodescendentes.
"Existe um processo de discriminação educacional que, no Brasil, está vinculado basicamente à pobreza e à exclusão social", avalia Pablo Gentili, do Observatório Latinoamericano de Políticas Educacionais da Universidade do Estado do Rio (UERJ).
Entre os entrevistados, 39% abandonaram a escola entre a 1ª e a 4ª séries do ensino fundamental, 29% o fizeram entre a 5ª e a 8ª. No total, 87% já sentaram em um banco escolar, ou seja, tiveram acesso à escola, mas isso não foi o suficiente para mantê-los ali.
"Durante muito tempo, o abandono escolar era colocado sob responsabilidade do próprio aluno. Hoje, sabemos que essa é uma falência do modelo educacional, com métodos pedagógicos inadequados. Mas é também uma falência da própria família, que está na base da pirâmide social", diz a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), da Comissão de Educação da Câmara.
"Há fatores externos à escola que se somam a outros internos e levam ao abandono da escola. É a história do ovo e da galinha: o sujeito tem baixa remuneração porque tem escolaridade baixa e, por viver em condições sociais de exclusão, com pais pouco remunerados, freqüenta uma escola ruim. Um causa o outro, e vice-versa", explica a educadora Maria Malta, da Fundação Carlos Chagas.
"A escola foi pensada para uma comunidade ideal e uma família ideal, que não é a das periferias urbanas ou de parte do mundo rural", avalia Henriques.

Efeito cascata
Um resultado do mapa que chamou a atenção de especialistas foi o fato de famílias de núcleo mais numeroso terem maior número de pessoas fora da escola. Todos os membros da família haviam parado de estudar antes do tempo em 37% daquelas com quatro pessoas, em 43% das compostas por cinco pessoas e em 70% das famílias com seis ou mais pessoas.
"É como se um puxasse o outro. Um efeito cascata que poderia muito bem ser revertido: se um voltar a estudar, todos poderiam voltar", supõe Miriam Abramovay, pesquisadora da Unesco.
De fato, José Everaldo Farias, 52, é um exemplo da teoria de Abramovay. Seu filho de oito anos o levou, 33 anos depois de largar os estudos, de volta à escola. "Ele me questionava muito. Tive de voltar à escola para buscar as respostas. Estou orgulhoso disso."


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