São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

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VIOLÊNCIA

Para cineasta José Padilha, Rio de Janeiro é um barril de pólvora

País só reage a extremos, diz diretor do "Ônibus 174"

SHIN OLIVA SUZUKI
DA REDAÇÃO

As semelhanças entre a barbárie ocorrida no ônibus da linha 350 há duas semanas, em que cinco pessoas morreram queimadas, e o seqüestro do ônibus 174 em 2000, quando a professora Geísa Gonçalves acabou morta, estão muito além do cenário em que os dois fatos ocorreram. Para o cineasta carioca José Padilha, os casos são exemplos da violência que vez ou outra chega a níveis impressionantes e obriga a sociedade a refletir sobre o "barril de pólvora" que se formou no Rio.
Padilha realizou em 2002 o premiado documentário "Ônibus 174" e prepara sua estréia na ficção com "Tropa de Elite", que deverá ser lançado apenas em 2007.
Formado em física e administração de empresas, Padilha, 38, considera que a volta da cidade do Rio de Janeiro a níveis de criminalidade aceitáveis tem de começar pela reestruturação da polícia e na maneira como a instituição influencia seus membros.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha.

 

Folha - Qual foi a sua reação quando soube do incidente com o ônibus 350?
José Padilha -
O que aconteceu não me surpreende. Você tem no Rio cerca de 650 favelas controladas por traficantes, que são jovens. Algumas são violentas, desequilibradas, drogadas e acostumadas a representar a lei. Então é inevitável que no Rio ocorram tragédias pontuais. Isso se verifica ao longo da história. Candelária, Vigário Geral, ônibus 174... Há uma situação de fundo que gera grande quantidade de violência anônima e, vez por outra, gera uma violência tão impressionante que toma a mídia, que faz com que a sociedade olhe para o acontecimento e comece a refletir sobre isso, sobre o barril de pólvora que está lá.

Folha - O sr. disse uma vez que o Estado produz violência ativamente no Brasil. Mas não é justamente a ausência de Estado que produz essa mesma violência?
Padilha -
Quando eu disse aquilo, me referia às instituições para menores e ao sistema carcerário em geral. Abrigando 5.000 crianças nas condições que observamos, você conseqüentemente vai gerar uma série de indivíduos violentos. Mas o fato é o seguinte: dizer que o Estado está ausente do morro não é verdade. Lá na favela da Rocinha tem um batalhão da PM. Na [favela] da Maré também. O Estado está lá. Mas saber o que o Estado está fazendo na favela é o que interessa. Por que o Estado não consegue exercer suas funções no morro? O problema primordial é saber que policial é esse, de onde veio, quanto ganha e como é tratado pela própria segurança pública. Quem são essas pessoas? É o policial que mora na favela e o traficante de lá poderá matar a família desse mesmo policial? É o policial que ganha R$ 1.000 para subir o morro para tomar tiro de [fuzil] AR-15?

Folha - Pela experiência de pesquisa para os dois filmes, para onde o sr. acha que caminha o cenário social do Rio?
Padilha -
Não tende para um bom cenário. Mas, em vez de pensar como o Rio estará daqui a um tempo, gosto de pensar qual é o caminho para voltar a índices de violência aceitáveis. Não há outro jeito a não ser reformar a polícia. Juntamente com o sistema carcerário. É preciso tratar os policiais de maneira adequada, de impedir que a corrupção seja fomentada. Hoje, se você contratasse um gênio como [Albert] Einstein para desenhar uma instituição cuja função fosse corromper as pessoas que entrassem nela, ele não iria conseguir fazer o que a PM do Rio faz.


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