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VIOLÊNCIA
Para cineasta José Padilha, Rio de Janeiro é um barril de pólvora
País só reage a extremos, diz diretor do "Ônibus 174"
SHIN OLIVA SUZUKI
DA REDAÇÃO
As semelhanças entre a barbárie
ocorrida no ônibus da linha 350
há duas semanas, em que cinco
pessoas morreram queimadas, e
o seqüestro do ônibus 174 em
2000, quando a professora Geísa
Gonçalves acabou morta, estão
muito além do cenário em que os
dois fatos ocorreram. Para o cineasta carioca José Padilha, os casos são exemplos da violência que
vez ou outra chega a níveis impressionantes e obriga a sociedade a refletir sobre o "barril de pólvora" que se formou no Rio.
Padilha realizou em 2002 o premiado documentário "Ônibus
174" e prepara sua estréia na ficção com "Tropa de Elite", que deverá ser lançado apenas em 2007.
Formado em física e administração de empresas, Padilha, 38,
considera que a volta da cidade
do Rio de Janeiro a níveis de criminalidade aceitáveis tem de começar pela reestruturação da polícia e na maneira como a instituição influencia seus membros.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha.
Folha - Qual foi a sua reação
quando soube do incidente com o
ônibus 350?
José Padilha - O que aconteceu
não me surpreende. Você tem no
Rio cerca de 650 favelas controladas por traficantes, que são jovens. Algumas são violentas, desequilibradas, drogadas e acostumadas a representar a lei. Então é
inevitável que no Rio ocorram
tragédias pontuais. Isso se verifica ao longo da história. Candelária, Vigário Geral, ônibus 174...
Há uma situação de fundo que
gera grande quantidade de violência anônima e, vez por outra,
gera uma violência tão impressionante que toma a mídia, que faz
com que a sociedade olhe para o
acontecimento e comece a refletir
sobre isso, sobre o barril de pólvora que está lá.
Folha - O sr. disse uma vez que o
Estado produz violência ativamente no Brasil. Mas não é justamente
a ausência de Estado que produz
essa mesma violência?
Padilha - Quando eu disse aquilo, me referia às instituições para
menores e ao sistema carcerário
em geral. Abrigando 5.000 crianças nas condições que observamos, você conseqüentemente vai
gerar uma série de indivíduos
violentos. Mas o fato é o seguinte:
dizer que o Estado está ausente
do morro não é verdade. Lá na favela da Rocinha tem um batalhão
da PM. Na [favela] da Maré também. O Estado está lá. Mas saber
o que o Estado está fazendo na favela é o que interessa. Por que o
Estado não consegue exercer suas
funções no morro? O problema
primordial é saber que policial é
esse, de onde veio, quanto ganha
e como é tratado pela própria segurança pública. Quem são essas
pessoas? É o policial que mora na
favela e o traficante de lá poderá
matar a família desse mesmo policial? É o policial que ganha R$
1.000 para subir o morro para tomar tiro de [fuzil] AR-15?
Folha - Pela experiência de pesquisa para os dois filmes, para onde o sr. acha que caminha o cenário
social do Rio?
Padilha - Não tende para um
bom cenário. Mas, em vez de
pensar como o Rio estará daqui a
um tempo, gosto de pensar qual é
o caminho para voltar a índices
de violência aceitáveis. Não há
outro jeito a não ser reformar a
polícia. Juntamente com o sistema carcerário. É preciso tratar os
policiais de maneira adequada,
de impedir que a corrupção seja
fomentada. Hoje, se você contratasse um gênio como [Albert]
Einstein para desenhar uma instituição cuja função fosse corromper as pessoas que entrassem nela, ele não iria conseguir fazer o
que a PM do Rio faz.
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