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JUSTIÇA
Decisão inédita diz que fabricantes omitiram dados sobre malefícios do cigarro; empresas podem recorrer
Juíza manda indenizar fumantes
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A indústria do cigarro sofreu a
mais grave derrota jurídica no
Brasil. A juíza Adaísa Bernardi
Isaac Halpern, da 19ª Vara Cível
de São Paulo, decidiu que a Souza
Cruz e a Philip Morris devem indenizar fumantes e ex-fumantes
do Estado por omitirem informações sobre a periculosidade do fumo e veicularem propaganda enganosa e abusiva.
As indenizações podem chegar
a R$ 37,5 bilhões, segundo a Adesf
(Associação em Defesa da Saúde
do Fumante), entidade que moveu a ação.
A juíza determinou um prazo
de 60 dias para que os fabricantes
mudem a embalagem do cigarro e
passem a informar nela os dados
técnicos do produto, a composição química do fumo, as precauções de uso, a sua periculosidade e
o responsável técnico.
Halpern fixou uma multa diária
de R$ 100 mil como punição para
os fabricantes que não cumprirem a determinação.
Histórico
A decisão da juíza paulista atende a uma ação coletiva impetrada
em 1995 pela Adesf, uma organização não-governamental criada
um ano antes por advogados, ambientalistas e médicos.
Os fabricantes tentaram questionar a legitimidade dessa entidade, mas o STJ (Superior Tribunal de Justiça) considerou a Adesf
como legítima representante dos
fumantes e ex-fumantes do Estado de São Paulo.
O mesmo tribunal decidiu que a
Philip Morris e a Souza Cruz devem comprovar que o consumo
de tabaco não faz mal, como alega
a indústria.
"É uma decisão inédita no mundo porque nunca um juiz havia
determinado mudanças na embalagem do cigarro", diz o advogado
Luís Mônaco, diretor jurídico da
Adesf.
"Essa decisão de primeira instância ao menos recoloca a verdade em seu devido lugar e ajuda a
minar o lobby sujo da indústria",
afirma Mário Albanese, presidente da entidade.
Bilhões em jogo
A juíza não trata de valores na
sentença, mas diz que os fumantes devem ser indenizados "por
danos materiais e morais em valor a ser apurado em liquidação
de sentença".
Segundo Mônaco, "liquidação
de sentença" é quando, em tese, se
cria um fundo a ser gerenciado
por um juiz. De acordo com ele,
"agora os fumantes não precisarão mais entrar com um processo
novo", já que há uma decisão favorável a todos os fumantes e ex-fumantes do Estado.
Se prevalecer essa interpretação, bastará provar ao juiz o tempo que fumou e ele arbitrará o valor adequado para a indenização,
acredita Mônaco.
Recurso
A Adesf estima que cada fumante poderá reivindicar R$ 1.500 por
ano que fumou. Se 2,5 milhões de
fumantes fizerem essa reivindicação e a Justiça entender que a decisão vale desde que o Código de
Defesa do Consumidor foi aprovado, em 1990, as indenizações alcançariam R$ 37,5 bilhões.
O exercício matemático é fictício porque a Philip Morris e a
Souza Cruz já decidiram que vão
recorrer. As empresas argumentam que, depois de dez anos, não
tiveram tempo de apresentar todas as provas sobre o cigarro (leia
texto nesta página).
A juíza Halpern discorda dessa
avaliação. Na sentença, escreveu
que "não há necessidade de outras provas e outras discussões,
ainda mais porque nada de novo
foi trazido pelas rés".
Omissão
Halpern entendeu que o cigarro
é um produto sujeito às regras do
Código de Defesa do Consumidor, como pretendia a Adesf.
Ao não tornar públicas informações sobre todos os componentes químicos do cigarro, os fabricantes, de acordo com a juíza,
"incidiram na prática da publicidade enganosa, por omissão de
informações".
Outro trecho da decisão da juíza
afirma: "Ao ocultar informações
que seriam negativas quanto ao
cigarro e as substâncias que o
compõem, as requeridas incidiram na prática de propaganda
abusiva (...). Ocultar quais os
componentes químicos do cigarro e a chance de levar o consumidor à sua dependência serve para
enganá-lo, confundi-lo e induzi-lo a comportar-se de forma prejudicial à sua saúde".
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